São Paulo, segunda, 26 de janeiro de 1998.



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DISCO/LANÇAMENTO
Banda baiana, que congrega 30 mulheres percussionistas, lança "A Mulher Gera o Mundo"
Didá estréia entre feminino e feminismo

Rosemeire, percussionista da Didá, põe máscara de escrava Anastácia PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial a Salvador

Tinha tudo para ser uma banda feminista. A Didá Banda Feminina transborda de signos desse universo: é constituída por 30 mulheres radicadas no Pelourinho, em Salvador; seu emblema é a máscara/focinheira da escrava Anastácia (leia abaixo), que usam enquanto tocam percussão, prática musical em geral monopolizada por homens; lançam agora seu CD de estréia, "A Mulher Gera o Mundo".
Com idades entre 16 e 30 anos, elas negam o rótulo, entretanto. "É um sabor de conquista muito grande, não havia espaço para a mulher na percussão", afirma a vocalista, compositora e porta-voz Vivian. "Não chega a ser feminista porque nos controlamos."
"Fortalecemos a idéia da emancipação da mulher, mas transformamos a coisa pesada do tambor em algo sensível, sublime", emenda a percussionista Rosemeire.
"Somos femininas tocando tambor, usamos batom e esmalte", diz Adriana, maestrina da banda. Rechaçam qualquer aproximação -via sensualidade- com o universo axé de É o Tchan. "Se alguém encurta demais a saia, a gente briga", diz Adriana.
Para afastar a impressão feminista, há também duas figuras masculinas pairando sobre o grupo. A mais notória delas é o conterrâneo Caetano Veloso, que as "descobriu" e as divulgou, levando-as para tocar na trilha sonora do filme "Tieta do Agreste".
"Ele nos orientou na escolha das músicas, sabia o que ia poder tocar ou não", lembra Neguinho do Samba, a outra figura crucial na existência da Didá. Egresso do Olodum, foi dele a idéia de abrir a Didá Escola de Música, que hoje congrega cerca de 200 mulheres e é o celeiro de formação das artistas.
"Didá é uma instituição cultural. A idéia é estruturá-la para ser eterna. Eu vou morrer, e a Didá vai continuar", sonha Vivian.
Neguinho, compositor principal da banda, é definido pelas pupilas como o inventor do samba-reggae, nome que reivindicam para seu som. "Inventei do mar, do sol, do ar, da terra", ele esclarece.
A "vice" de Neguinho é a maestrina Adriana do Pelô, 27. "Tenho total responsabilidade na organização do grupo", define. "Neguinho passa o ritmo, eu passo para a banda e ensaio com elas."
Apesar da predominância, Didá não é uma banda de afro-americanas. Abarca, hoje, uma suíça (leia abaixo), uma argentina e até uma loura, a flautista Carol. "O pessoal mexe comigo: 'O que essa branquinha está fazendo aí?'", conta.
A diversidade não dificulta a harmonia, segundo elas. Mas Neguinho mete a colher, brincalhão: "Elas brigam o tempo todo, agora dizem que são uma família".


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da gravadora BMG


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