São Paulo, segunda, 26 de janeiro de 1998.



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Indústria achata força percussiva

do enviado especial

A natureza mostra sua força mais uma vez. Didá Banda Feminina tenta se impor em disco à custa de muito hedonismo e apego à terra. Vê-las ao vivo, nas ruas do Pelourinho, é ter a certeza de que a natureza é toda delas.
O fenômeno da transcrição da natureza ao disco laser, entretanto, dá-se como de hábito: a indústria parece fazer o favor de achatar a força natural das artistas, em prol de alguma pasteurização -o mesmo processo se deu, muito recentemente, no lançamento do primeiro single da banda paulistana de percussionistas Oh! Terezinhas, também só de mulheres.
Em disco, sopros peculiares da axé music mais chã invadem a arte da Didá -que não é uma banda chã de axé-, em detrimento até da percussão. Jovens e entusiasmadas, as muitas meninas transpiram integridade, que nem sempre vaza para o CD.
Vem concorrer para isso o padrão besteirol das letras do tutor Neguinho do Samba. Alguém é capaz de decifrar a mensagem oculta em versos como "Tropicália tropicália tropicalismou/ Caetano Caetano caetaneou" ou "Quando o telefone toca, quem atende é a Tieta/ Tieta Jorge Amado é uma beleza"? Difícil.
Não seria, nunca, o caso da Didá. Há conceito por trás das meninas, e isso é evidente desde o início. "Samba de Elza" dá a senha que quebra fronteiras e estabelece a força dionisíaca da Didá.
É homenagem a Elza Soares, ícone feminino tão potente quanto o de Anastácia. A vocalista Jucy enobrece o atar de laços entre gerações, tornando rouca à Elza a interpretação da fraca musiquinha. O mesmo vão fazer as cantoras Catita, em "Quando Toco", e Nadjane, em "Convite".
"Samba de Elza" cita também Tom Zé -e Caetano. Pensa-se no inusitado que seria a presença de Elza e Tom Zé bagunçando o arcabouço percussivo da Didá. Em vez disso, tem-se Daniela Mercury (em "Barrela") e Caetano, o patrono, em uma nova versão de "Tigresa" (que pouco tem a ver com a simbologia Didá).
Justiça seja feita: Caetano dá, na parte que lhe cabe, interpretação pungente e convicta como há anos e anos ele não atingia (fruto evidente do amor que afirma e reafirma pela própria obra).
Daniela, por sua vez, quase passa despercebida. É que as várias vocalistas ainda se aprumam pelo canto à Mercury, frequentemente gritado com desnecessário exagero.
A isso sobrevivem flagrantes musicais repletos de suingue -em "Madalena", "Memória" e "O Rio" (que incorpora, com resultado engraçado e inteligente, batidas vulgares de dance music de boate).
O que pode bem sintetizar as qualidades da Didá é a figura hiperenergética, ao tambor, de Rosemeire, a própria reencarnação da figura de Anastácia. Para fazer valer a imagem, talvez precisem ainda de alguma rebeldia frente a bons e masculinos feitores. (PAS)

Disco: A Mulher Gera o Mundo Grupo: Didá Banda Feminina Lançamento: BMG Quanto: R$ 18, em média


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