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CINEMA
Primeiro filme de Kubrick é exibido nos EUA
DANIELA SANDLER
especial para a Folha, em Rochester (EUA)
Quem quiser ver o primeiro filme comercial de Stanley Kubrick
(1928-1999), "Fear and Desire"
(Medo e Desejo, 1953), terá de ir a
Rochester, no estado de Nova
York (EUA), onde está a única
cópia conhecida -e de onde ela
não pode sair. Chamado, pelo diretor, de "pretensioso" e "amador", o filme foi exibido na última
sexta, com outra raridade: seu
trailer, editado pelo próprio Kubrick.
O diretor caçou e destruiu todas
as cópias de "Fear and Desire"
-todas, menos uma, doada pelo
distribuidor do filme, Joseph
Burstyn, a George Eastman House, em Rochester, instituição que
tem um dos principais acervos de
cinema e fotografia do mundo.
Histórico
A fita ficou esquecida até 1989,
quando o italiano Paolo Cherchi
Usai, curador da instituição, foi
contratado. Ao chegar, Cherchi
Usai perguntou o que havia disponível de Kubrick. "Não muito",
responderam-lhe. ""Lolita", "2001",
"Medo e Desejo"... "Medo e Desejo'?! Eu não acreditei!", ele conta.
Segundo ele, a fita foi vista como
um "lendário filme perdido" por
mais de 25 anos.
Kubrick teria começado sua caça às cópias nos anos 60, após o
sucesso de "Lolita" (1962) e "Doutor Fantástico" (1963).
Em 1994, o Film Forum Festival
de Nova York conseguiu mostrar
a cópia. À época, Kubrick declarou que, se dependesse dele, a fita
não seria exibida publicamente.
Para ele, o filme não era "mais que
um exercício amador, inepto,
chato e pretensioso".
Kubrick conseguiu o compromisso de que aquela seria a última
vez que "Fear and Desire" seria
visto fora da George Eastman
House.
Receio do diretor
Cherchi Usai diz que o diretor,
notoriamente inacessível, "tinha
tanto medo de que a fita fosse exibida que me procurava, pessoalmente, sempre que algum festival
a solicitava".
No filme, rodado em preto-e-branco, quatro militares perdidos
em território inimigo, tentando
escapar, descobrem um posto
cheio de oficiais de alto escalão e
decidem matá-los.
Tempo e local são indefinidos.
O filme mostra uma guerra "fora
da história, sem outro país que
não mente sobre ela", ressaltando
os conflitos internos dos personagens em jogo por meio de seus
pensamentos.
O uso frequente dos "monólogos interiores" também tinha um
motivo técnico: o filme foi rodado
em silêncio, e o som foi adicionado depois, o que aumentou em
US$ 20 mil o orçamento inicial,
que era de US$ 13 mil. Para economizar, Kubrick usou pesticida
para imergir os personagens em
neblina na sequência final -o
pesticida era bem mais barato do
que um aparelho de fumaça na
época em que foi filmado.
O filme também foi a estréia do
diretor norte-americano Paul
Mazurski como ator, interpretando o soldado Sidney, que enlouquece no final.
Dá para entender por que Kubrick queria evitar que o filme fosse visto. Apesar da bela fotografia,
do próprio diretor, algumas cenas
e diálogos de "Fear and Desire"
(Medo e Desejo) provocaram risadas na platéia.
Foi o caso da sequência em que
os quatro soldados do filme matam três inimigos que estavam
jantando.
Alternam-se imagens dos murros e pancadas com closes da comida: um pedaço de pão espremido entre os dedos de um soldado,
nacos de carne e batata ensopadas
espirrando para fora dos pratos.
"Poeta fracassado"
Após a matança, os soldados comem o resto do jantar do inimigo,
e o tenente reflete: "Passamos a
vida vendo as listas telefônicas,
procurando por nossos nomes
verdadeiros e endereços permanentes. Nenhum homem é uma
ilha, mas agora nós somos todos
ilhas".
O roteiro foi escrito por Howard
Sackler, amigo de colégio de Kubrick, que, depois, foi chamado
pelo diretor de "poeta fracassado".
"O filme já pertence à história.
Dizer que é ruim não é razão suficiente para destruí-lo", diz Cherchi Usai.
"Mas ele deve ser visto num
contexto de estudo e discussão,
como um esboço do trabalho
posterior de Kubrick", ressalta.
Para saber mais
Sobre o filme:
http://pages.prodigy.com/kubrick/kubfad.htm
Sobre o diretor:
http://www.alta.demon.co.uk/
Sobre a George Eastman House:
http://www.eastman.org
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