|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SALA UOL
"Velvet Goldmine" estréia nova "sessão maldita" em SP
especial para a Folha
A Sala UOL institui na próxima
sexta-feira uma espécie de "sessão
maldita" diária, às 23h. O título
escolhido para inaugurar o horário não poderia ser mais adequado, pois "Velvet Goldmine", também em cartaz em horários normais em outras salas, ecoa intencionalmente "The Rocky Horror
Show" (75), um cult campeão de
sessões malditas.
Tornado cult com apenas dois
anos de existência, "Velvet Goldmine" não é apenas uma homenagem ao rock inglês glitter e ao
underground norte-americano
do início dos anos 70.
O filme é sobretudo um painel
histórico competente e um convite à reflexão sobre uma época em
que as pessoas desejavam ardentemente se transformar em outras
pessoas, sobretudo nos centros irradiadores de cultura de Londres
e Nova York, onde a nova onda de
iconoclastia pop influenciou pessoas de todas as idades antes de
atingir a juventude dos mais distantes rincões do planeta.
A cena mais recuada do filme se
passa no réveillon de 1969. Com o
sonho coletivo do hippismo fenecendo como margarida em cano
de fuzil, uma nova geração começa a afirmar a sua individualidade
por meio de uma extrema artificialidade de comportamento.
Espelham-se nas imagens de
ídolos como David Bowie, Andy
Warhol, Lou Reed e Iggy Pop, na
metamorfose ambulante do rock
glitter, no adolescentismo do garage e, mais tarde, nos rituais de
morte do punk. Em qualquer de
suas manifestações, tal artificialismo afirma ostensivamente, na década anterior ao advento da Aids,
opções individuais liberais -de
preferência sexual até maneiras
de se drogar e morrer.
Na verdade, uma roleta russa
comportamental sob medida para continuar a açoitar a moral vigente e escandalizar os donos da
situação.
Um dos mais interessantes realizadores norte-americanos em
atividade, embora bissexto, o diretor Todd Haynes resume, sem
carregar na purpurina, o espírito
dessa arte pop da total artificialidade, narrando desde os seus primeiros acordes até a tragédia da
capitulação aos mecanismos da
indústria cultural.
Sua vitrine é abrangente a ponto
de admitir uma alusão histórica
distante, situando poeticamente
as raízes do glitter no dandismo
de Oscar Wilde. O escritor irlandês, que viveu e eletrizou cem
anos antes do camaleão Bowie, é
celebrado logo na primeira sequência do filme. Depois insinua-se que tanto Wilde quanto a inspiração do glamour rock teriam caído do céu para a terra.
Para os colecionadores de referências, essa é a primeira figurinha carimbada entre dezenas que
virão a seguir, remissão ao rebuscado "O Homem que Caiu na
Terra", longa-metragem estrelado pelo próprio Bowie (76).
""Camp" não é apenas um fileira
de barracas", avisa uma manchete
no suplemento que acompanha
disco do personagem principal de
"Velvet", o cantor Brian Slade,
calcado em Bowie. De fato,
"camp" diz respeito também a
uma estética que opera elementos
conscientemente teatrais, artificiais, afetados ou fora de moda, e
que podem soar como comentário cômico. A palavra também designa os maneirismos femininos
exagerados de certo comportamento homossexual.
À sua maneira, "Velvet" é bastante "camp", ecoando o rock que
empurrou a pose e as plumas até
fronteiras revolucionárias: "O
glam rock foi produto da última
década verdadeiramente progressista que vimos no Ocidente -de
um clima de grandes possibilidades e abertura-, e isso resultou
em movimentos sociais importantes, cinema estupendo e música fantástica", opina Haynes.
"Eu quis reexaminar os anos 70
porque considero o período uma
época sem igual, não porque tenha sido kitsch, mas por causa de
um espírito muito radical, que
não mais presenciamos desde então", acrescenta o diretor.
Para compor o retrato dessa era,
Haynes prefere a artificialidade
assumida em vez de noções rasteiras de realismo, frequentemente falsificadoras. Quanto ao romance homossexual entre Slade e
Curt Wild (personagem com pitadas de Jim Morrison, Lou Reed,
Iggy Pop e até de Kurt Cobain; interpretado por um notável Ewan
McGregor), existe mais de uma
correspondência na realidade.
No entanto o diretor prefere situar essa trama nos seguintes termos: "Não é acidental que haja
elementos de história homossexual alimentando algumas dessas
obras que contemplam o mundo
de um jeito diferente -porque
aos gays e a outras minorias não é
dado acesso àqueles códigos de
realismo e autenticidade que a sociedade gosta de distribuir. Assim, são forçados a ler o mundo
em negativo e a se deter em estruturas e códigos que não os excluam".
De maneira semelhante, Haynes estrutura sua narrativa parodiando, com muita graça, as linhas narrativas de dois clássicos
da cinematografia ocidental: "Cidadão Kane", de Orson Welles
(41), e "Lola Montés", de Max
Ophuls (55).
Faltou bem pouco para seu filme alcançar as excelências desses
títulos. Com o público acima da
média que "Velvet" está conseguindo por aqui, seria oportuno
importar agora outro filme do diretor: "Safe" (95), com Julianne
Moore, ácido comentário às teorias e manias da new age.
(ALVARO MACHADO)
Avaliação:
Filme: Velvet Goldmine
Diretor: Todd Haynes
Produção: EUA, 1998
Onde: na sala UOL, a partir da próxima
sexta
Texto Anterior: Cinema: Primeiro filme de Kubrick é exibido nos EUA Próximo Texto: Mostra: Festival de Cinema de Roterdã começa hoje Índice
|