São Paulo, Quarta-feira, 26 de Janeiro de 2000


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SALA UOL
"Velvet Goldmine" estréia nova "sessão maldita" em SP

especial para a Folha

A Sala UOL institui na próxima sexta-feira uma espécie de "sessão maldita" diária, às 23h. O título escolhido para inaugurar o horário não poderia ser mais adequado, pois "Velvet Goldmine", também em cartaz em horários normais em outras salas, ecoa intencionalmente "The Rocky Horror Show" (75), um cult campeão de sessões malditas.
Tornado cult com apenas dois anos de existência, "Velvet Goldmine" não é apenas uma homenagem ao rock inglês glitter e ao underground norte-americano do início dos anos 70.
O filme é sobretudo um painel histórico competente e um convite à reflexão sobre uma época em que as pessoas desejavam ardentemente se transformar em outras pessoas, sobretudo nos centros irradiadores de cultura de Londres e Nova York, onde a nova onda de iconoclastia pop influenciou pessoas de todas as idades antes de atingir a juventude dos mais distantes rincões do planeta.
A cena mais recuada do filme se passa no réveillon de 1969. Com o sonho coletivo do hippismo fenecendo como margarida em cano de fuzil, uma nova geração começa a afirmar a sua individualidade por meio de uma extrema artificialidade de comportamento.
Espelham-se nas imagens de ídolos como David Bowie, Andy Warhol, Lou Reed e Iggy Pop, na metamorfose ambulante do rock glitter, no adolescentismo do garage e, mais tarde, nos rituais de morte do punk. Em qualquer de suas manifestações, tal artificialismo afirma ostensivamente, na década anterior ao advento da Aids, opções individuais liberais -de preferência sexual até maneiras de se drogar e morrer.
Na verdade, uma roleta russa comportamental sob medida para continuar a açoitar a moral vigente e escandalizar os donos da situação.
Um dos mais interessantes realizadores norte-americanos em atividade, embora bissexto, o diretor Todd Haynes resume, sem carregar na purpurina, o espírito dessa arte pop da total artificialidade, narrando desde os seus primeiros acordes até a tragédia da capitulação aos mecanismos da indústria cultural.
Sua vitrine é abrangente a ponto de admitir uma alusão histórica distante, situando poeticamente as raízes do glitter no dandismo de Oscar Wilde. O escritor irlandês, que viveu e eletrizou cem anos antes do camaleão Bowie, é celebrado logo na primeira sequência do filme. Depois insinua-se que tanto Wilde quanto a inspiração do glamour rock teriam caído do céu para a terra.
Para os colecionadores de referências, essa é a primeira figurinha carimbada entre dezenas que virão a seguir, remissão ao rebuscado "O Homem que Caiu na Terra", longa-metragem estrelado pelo próprio Bowie (76).
""Camp" não é apenas um fileira de barracas", avisa uma manchete no suplemento que acompanha disco do personagem principal de "Velvet", o cantor Brian Slade, calcado em Bowie. De fato, "camp" diz respeito também a uma estética que opera elementos conscientemente teatrais, artificiais, afetados ou fora de moda, e que podem soar como comentário cômico. A palavra também designa os maneirismos femininos exagerados de certo comportamento homossexual.
À sua maneira, "Velvet" é bastante "camp", ecoando o rock que empurrou a pose e as plumas até fronteiras revolucionárias: "O glam rock foi produto da última década verdadeiramente progressista que vimos no Ocidente -de um clima de grandes possibilidades e abertura-, e isso resultou em movimentos sociais importantes, cinema estupendo e música fantástica", opina Haynes.
"Eu quis reexaminar os anos 70 porque considero o período uma época sem igual, não porque tenha sido kitsch, mas por causa de um espírito muito radical, que não mais presenciamos desde então", acrescenta o diretor.
Para compor o retrato dessa era, Haynes prefere a artificialidade assumida em vez de noções rasteiras de realismo, frequentemente falsificadoras. Quanto ao romance homossexual entre Slade e Curt Wild (personagem com pitadas de Jim Morrison, Lou Reed, Iggy Pop e até de Kurt Cobain; interpretado por um notável Ewan McGregor), existe mais de uma correspondência na realidade.
No entanto o diretor prefere situar essa trama nos seguintes termos: "Não é acidental que haja elementos de história homossexual alimentando algumas dessas obras que contemplam o mundo de um jeito diferente -porque aos gays e a outras minorias não é dado acesso àqueles códigos de realismo e autenticidade que a sociedade gosta de distribuir. Assim, são forçados a ler o mundo em negativo e a se deter em estruturas e códigos que não os excluam".
De maneira semelhante, Haynes estrutura sua narrativa parodiando, com muita graça, as linhas narrativas de dois clássicos da cinematografia ocidental: "Cidadão Kane", de Orson Welles (41), e "Lola Montés", de Max Ophuls (55).
Faltou bem pouco para seu filme alcançar as excelências desses títulos. Com o público acima da média que "Velvet" está conseguindo por aqui, seria oportuno importar agora outro filme do diretor: "Safe" (95), com Julianne Moore, ácido comentário às teorias e manias da new age.
(ALVARO MACHADO)


Avaliação:     

Filme: Velvet Goldmine Diretor: Todd Haynes Produção: EUA, 1998 Onde: na sala UOL, a partir da próxima sexta

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