São Paulo, Quarta-feira, 26 de Janeiro de 2000


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QUADRINHOS
Pela primeira vez, Salão Carioca de Humor tem como tema alguém que não fez charge ou cartum
Flavio Colin é homenageado no Rio

Nelson Veiga/Folha Imagem
O desenhista carioca Flavio Colin, 70


ALEXANDRE MARON
da Sucursal do Rio


Quando tinha 14 anos, em um colégio interno, em Porto Alegre (RS), o jovem Flavio Barbosa Mavignier Colin sofria com um frei que rasgava seus cadernos cheios de histórias em quadrinhos de faroeste. Ao se formar, foi surpreendido pelo mesmo frei, que parou à sua frente e disse: "Flavio, você vai fazer quadrinhos. Mas não essa porcaria. Vai estudar muito, ler muito e fazer coisa boa".
O frei estava certo: seu aluno se tornou um dos mais importantes autores de histórias em quadrinhos do Brasil. Não é à toa que o 12º Salão Carioca de Humor, que começa hoje, no Rio, terá Colin como seu homenageado. É a primeira vez que um artista que não faz charges ou cartuns vira tema do evento.
Mais de meio século depois dos acontecimentos naquela escola, o veterano desenhista Flavio Colin, hoje com 70 anos, diz que aquele professor o marcou por toda a vida e influenciou sua carreira.
"Eu sempre lembro do frei. É por isso que levo cada trabalho a sério e tento não deixar o nível da arte cair", conta.
A trajetória de Colin (pronuncia-se Coléin, mas ele acabou assumindo algo como Colín, "para simplificar") é um retrato da dificuldade de ser desenhista de HQs no Brasil.
O reconhecimento de artistas de sua estirpe é difícil. Uma produtora de um canal pago especializado em notícias chegou a dizer que uma figura como Colin não tinha espaço para ser entrevistada, por ocasião da homenagem no salão, porque "não é tão importante assim".
Mas falta de reconhecimento nunca foi problema. Colin nasceu no Rio, em 1930, e foi morar, ainda criança, em Santa Catarina, porque o pai conseguira um bom emprego em uma madeireira. Ele queria que o filho tivesse uma carreira tradicional, como engenheiro ou advogado.
Ainda criança, o talento do artista foi reconhecido por um norte-americano que trabalhava na madeireira. Depois de ver alguns desenhos de Colin, chegou a fazer uma oferta ao garoto: pagar seus estudos em uma escola de artes nos EUA.
"Eu moraria com as irmãs dele. Depois de formado, seguiria o meu caminho. Meu pai ficou com ódio quando ouviu aquilo. Ele era daquele tipo que não gostava da idéia de que poderia estar devendo algo e ser cobrado um dia. Fui obrigado a desistir."
Colin foi obrigado a esperar. Trabalhou como contínuo e fazia desenhos técnicos para obras, até que começou a trabalhar na RGE (Rio Gráfica e Editora, atual editora Globo). No final da década de 50, quadrinizou as aventuras do Anjo, personagem de novelas de rádio.
Seguiu desenhando histórias de terror e aventura já na década de 60 e chegou a publicar nesta Folha, de 1964 a 1965, a tira diária "Vizunga", sobre um personagem que viajava o mundo caçando e pescando. Na tira, Colin pôde desenhar diversos animais, uma de suas paixões.
"Viajo mesmo é na minha prancheta. Nunca fui ao Nordeste, à Europa ou aos EUA. Compro livros, faço recortes em jornal. Se não fizer isso, desenho um chinês com cara de japonês", diz.
Colin abandonou Vizunga porque descobriu que o mercado publicitário pagava melhor. Ficou afastado dos quadrinhos por mais de dez anos, até que o amigo desenhista Júlio Shimamoto o fez voltar, na década de 70.
Tornou-se um dos mais prolíficos autores. Desenhou HQs históricas, de terror e mistério, contos de ação com cangaceiros e vaqueiros e historinhas pornográficas. Tudo isso sem deixar cair o nível de sua arte inconfundível.
"Perdi em alguns anos nas HQs o que tinha ganho em uma década na publicidade. Mas é o que gosto de fazer", diz, sem mágoa.
Hoje o quadrinhista mora em uma casa simples, em Teresópolis (na região serrana, a 90 km do Rio). A sua sala de estar é decorada com as peças que Colin talha habilmente em diversos tipos de madeira e com os quadros que ele pinta. Algumas dessas peças serão expostas no Salão Carioca de Humor.
Ele vive sem luxo e chega a ter problemas financeiros em alguns momentos, por conta da falta de trabalho. Mesmo assim, doou os direitos autorais de uma de suas obras, "A Guerra dos Farrapos", para a Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul, que distribuiu a revista nos colégios do Estado.
"É para crianças carentes. Num país de analfabetos e semi-analfabetos, nada melhor do que as histórias em quadrinhos para estimular a leitura e ensinar um pouco de história."


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