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QUADRINHOS
Pela primeira vez, Salão Carioca de Humor tem como tema alguém que não fez charge ou cartum
Flavio Colin é homenageado no Rio
Nelson Veiga/Folha Imagem
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O desenhista carioca Flavio Colin, 70 |
ALEXANDRE MARON
da Sucursal do Rio
Quando tinha 14 anos, em um
colégio interno, em Porto Alegre
(RS), o jovem Flavio Barbosa Mavignier Colin sofria com um frei
que rasgava seus cadernos cheios
de histórias em quadrinhos de faroeste. Ao se formar, foi surpreendido pelo mesmo frei, que
parou à sua frente e disse: "Flavio,
você vai fazer quadrinhos. Mas
não essa porcaria. Vai estudar
muito, ler muito e fazer coisa
boa".
O frei estava certo: seu aluno se
tornou um dos mais importantes
autores de histórias em quadrinhos do Brasil. Não é à toa que o
12º Salão Carioca de Humor, que
começa hoje, no Rio, terá Colin
como seu homenageado. É a primeira vez que um artista que não
faz charges ou cartuns vira tema
do evento.
Mais de meio século depois dos
acontecimentos naquela escola, o
veterano desenhista Flavio Colin,
hoje com 70 anos, diz que aquele
professor o marcou por toda a vida e influenciou sua carreira.
"Eu sempre lembro do frei. É
por isso que levo cada trabalho a
sério e tento não deixar o nível da
arte cair", conta.
A trajetória de Colin (pronuncia-se Coléin, mas ele acabou assumindo algo como Colín, "para
simplificar") é um retrato da dificuldade de ser desenhista de HQs
no Brasil.
O reconhecimento de artistas de
sua estirpe é difícil. Uma produtora de um canal pago especializado
em notícias chegou a dizer que
uma figura como Colin não tinha
espaço para ser entrevistada, por
ocasião da homenagem no salão,
porque "não é tão importante assim".
Mas falta de reconhecimento
nunca foi problema. Colin nasceu
no Rio, em 1930, e foi morar, ainda criança, em Santa Catarina,
porque o pai conseguira um bom
emprego em uma madeireira. Ele
queria que o filho tivesse uma carreira tradicional, como engenheiro ou advogado.
Ainda criança, o talento do artista foi reconhecido por um norte-americano que trabalhava na
madeireira. Depois de ver alguns
desenhos de Colin, chegou a fazer
uma oferta ao garoto: pagar seus
estudos em uma escola de artes
nos EUA.
"Eu moraria com as irmãs dele.
Depois de formado, seguiria o
meu caminho. Meu pai ficou com
ódio quando ouviu aquilo. Ele
era daquele tipo que não gostava
da idéia de que poderia estar devendo algo e ser cobrado um dia.
Fui obrigado a desistir."
Colin foi obrigado a esperar.
Trabalhou como contínuo e fazia
desenhos técnicos para obras, até
que começou a trabalhar na RGE
(Rio Gráfica e Editora, atual editora Globo). No final da década
de 50, quadrinizou as aventuras
do Anjo, personagem de novelas
de rádio.
Seguiu desenhando histórias
de terror e aventura já na década
de 60 e chegou a publicar nesta
Folha, de 1964 a 1965, a tira diária
"Vizunga", sobre um personagem que viajava o mundo caçando e pescando. Na tira, Colin pôde desenhar diversos animais,
uma de suas paixões.
"Viajo mesmo é na minha
prancheta. Nunca fui ao Nordeste, à Europa ou aos EUA. Compro livros, faço recortes em jornal. Se não fizer isso, desenho um
chinês com cara de japonês", diz.
Colin abandonou Vizunga porque descobriu que o mercado
publicitário pagava melhor. Ficou afastado dos quadrinhos por
mais de dez anos, até que o amigo
desenhista Júlio Shimamoto o fez
voltar, na década de 70.
Tornou-se um dos mais prolíficos autores. Desenhou HQs históricas, de terror e mistério, contos de ação com cangaceiros e vaqueiros e historinhas pornográficas. Tudo isso sem deixar cair o
nível de sua arte inconfundível.
"Perdi em alguns anos nas HQs
o que tinha ganho em uma década na publicidade. Mas é o que
gosto de fazer", diz, sem mágoa.
Hoje o quadrinhista mora em
uma casa simples, em Teresópolis (na região serrana, a 90 km do
Rio). A sua sala de estar é decorada com as peças que Colin talha
habilmente em diversos tipos de
madeira e com os quadros que
ele pinta. Algumas dessas peças
serão expostas no Salão Carioca
de Humor.
Ele vive sem luxo e chega a ter
problemas financeiros em alguns
momentos, por conta da falta de
trabalho. Mesmo assim, doou os
direitos autorais de uma de suas
obras, "A Guerra dos Farrapos",
para a Secretaria de Cultura do
Rio Grande do Sul, que distribuiu
a revista nos colégios do Estado.
"É para crianças carentes. Num
país de analfabetos e semi-analfabetos, nada melhor do que as
histórias em quadrinhos para estimular a leitura e ensinar um
pouco de história."
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