São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 2000


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MÚSICA
Filho caçula de Simonal lança CD de estréia advogando retomada da tradição fundada por Jorge Ben
Max de Castro apresenta o samba raro

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

"Samba Esquema Novo", Jorge Ben, 1963. "A Nova Dimensão do Samba", Wilson Simonal, 1964. "Os Afro-Sambas", Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966. "Samba Raro", Max de Castro, 2000.
Em seu disco de estréia, o cantor, compositor e guitarrista carioca radicado em São Paulo há 22 anos e filho caçula do controverso cantor Wilson Simonal, pretende interferir numa tradição de obras que, contendo o termo em seus títulos, vinham reformular conceitos e pontos de vista sobre o samba -discos de samba sem ser.
"Usando uma frase polêmica, os tropicalistas queriam retomar a linha evolutiva da MPB do ponto em que João Gilberto deixou. Eu diria que temos de retomá-la de onde Jorge Ben deixou. A música que ele fez nos 60 era sofisticada sem ter necessidade de se auto-afirmar na sofisticação. Imagino Jorge Ben hoje, com a eletrônica...", diz Max, 27.
Estaria então interrompida essa tradição? "Sim, de um tempo para cá... Jorge correu a maratona e chegou a algum lugar, mas nada do que ele fez motivou um passo a frente. Espero isso dos novos."
Título à parte, Max não é um sambista. "Samba Raro", "produzido, arranjado, composto e tocado" por ele, encaixa-se, segundo sua própria definição, no "soul brasileiro", vertente em que compartimenta, nos textos do encarte, Jorge Ben, Simonal, Cassiano, Banda Black Rio, Robson Jorge...
"Acho que não faço samba. Minha música é um desdobramento do samba. Me comunico com ele, mas quero olhar para a frente, usá-lo para fazer algo novo. Não gosto dessa coisa de resgate, quem sou eu para querer resgatar Paulinho da Viola?", ilustra.
Max identifica um "espírito do tempo" na volta do uso do termo, desaparecido de títulos de discos nos anos 80 e grande parte dos 90:
"Percebi que pessoas que eu nem conhecia pessoalmente estavam fazendo isso. Rica Amabis acaba de lançar "Sambadelic", a Nação Zumbi está gravando "Radio Samba", Otto lançou "Samba pra Burro" ", enumera, esquecendo-se do "Samba Esquema Noise" (94) do Mundo Livre S/A.
De volta a seu gênero: "Tenho me referido à minha música como soul brasileiro. Sou 50% negro. Minha mãe é branca, mas, por uma questão estética, me considero negro. Minha cabeça tende à música black".
A temática quase sempre amorosa das letras ele traria da tradição black? "Minha música tem um temperamento romântico, no bom sentido. "What's Going on", de Marvin Gaye, é uma música política, mas na voz dele fica sexy, ganha uma conotação sexual."

Simonal
Nascido pouco antes da "queda" de Wilson Simonal, pop star brasileiro irrefutável dos 60 que sucumbiu no negror do período militar, sob acusações de que fosse colaborador do regime e dedo-duro de colegas, Max vai citando o pai em meio a cada assunto.
"Cresci num ambiente musical. Meu pai tinha muitos discos, eu tinha o hábito de ficar ouvindo. Nasci seduzido pela música. Minha primeira relação musical foi com a música dele."
"Acompanhei um resquício da popularidade dele. Lembro quando fomos à Cidade da Criança. Saí frustrado, só pude ir em um brinquedo porque juntava gente pedindo autógrafo. Esse perfil pop star, para mim, é do século passado. Acho que a tendência dos novos é procurar uma nova forma de relação com isso. A música é mais importante que minha imagem ou minha figura."
"Ser filho de Simonal, por incrível que pareça, é muito bom. Nunca sofri hostilidade, falam dele para mim de forma carinhosa, dizem que ele foi importante."
"Cada pessoa responde por si. Sou uma pessoa diferente dele. Não posso ser contra Simonal por ele ter sido de direita. Ele não vai deixar de ser meu pai."
"Simonal não me influencia como cantor, porque o canto não é o ingrediente principal na minha música. Ele me influencia pela atmosfera do som, pelo teor soul misturado com brasilidade, que Jorge Ben e Cassiano têm."

Homenagens
As faixas de "Samba Raro" incluem citações e/ou vêm acompanhadas de dedicatórias a figuras muitas vezes díspares: Jorge Ben(Jor), Baden Powell, Cassiano, Chico Buarque, Geraldo Vandré, Wilson Simonal, Roberto e Erasmo Carlos, Carlos Imperial.
Max explica os critérios de inclusão: "O que há em comum entre eles é a década de 60. É a que mais me interessa musicalmente, a mais rica. Tinha Nara e Elis, Baden e Caetano... Para quem admira arte, é o que mais se aproxima da perfeição".
Mas, sendo assim, a ausência dos tropicalistas entre os homenageados não seria uma injustiça histórica?
"Não foi nada do tipo "vou excluí-los". Só achei importante ressaltar outras coisas. Adoro Caetano, Gil, Tom Zé, os Mutantes, mas acho que dentro da questão da renovação, a referência aos tropicalistas ficou demais. Até um tempo atrás, todo artista que aparecia parecia querer ser um novo Caetano, um novo Gil."
Sobre outros "excluídos": "Tom Jobim, que talvez seja o que mais admiro entre todos, não aparece nenhuma vez. Havia uma música, mas desisti de colocá-la no disco. Tim Maia foi uma descoberta tardia, demorei para entender. Mas é a mesma coisa dos tropicalistas, Tom Jobim e Tim Maia são unânimes, todo mundo cita". Este é o samba raro.


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