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ARIANO SUASSUNA
Despedida
ALMANAQUE ARMORIAL
Grande Logogrifo Brasileiro da Arte, do Real e da Beleza, contendo
idéias, enigmas, lembranças, informações, comentários e a narração de
casos acontecidos ou inventados, escritos em prosa e verso e reunidos, num Livro Negro do Cotidiano, pelo Bacharel em Filosofia
e Licenciado em Artes Ariano Suassuna
AUGUSTO DOS ANJOS E
JOSÉ LINS DO REGO
Hoje, dois anos depois de tê-la
iniciado, encerro minha colaboração aqui na Folha. E quero fazê-lo comentando a excelente matéria que William Costa publicou
no jornal A União, da Paraíba, a
respeito do meu voto em Augusto
dos Anjos para "o paraibano do
século".
No exemplar anterior deste Almanaque, comparei Augusto dos
Anjos a Euclydes da Cunha. William Costa subscreve a comparação e alinha textos daqueles dois
grandes escritores para mostrar
que ela não é desarrazoada. O texto de Os Sertões foi por ele retirado daquela página em que, comentando o encontro do corpo
ressecado de um alferes morto pelos guerrilheiros de Canudos,
Euclydes da Cunha escreve:
"Nem um verme, o mais vulgar
dos trágicos analistas da matéria,
lhe maculara os tecidos. Volvia ao
turbilhão da vida sem decomposição repugnante, numa exaustão
imperceptível. Era um aparelho
revelando de modo absoluto, mas
sugestivo, a secura extrema dos
ares".
O de Augusto dos Anjos é do soneto Psicologia de um Vencido:
"Já o verme, este operário das
ruínas que o sangue podre das
carnificinas come, e à vida, em geral, declara guerra, anda a espreitar meus olhos para roê-los, e há
de deixar-me apenas os cabelos,
na frialdade inorgânica da terra".
William Costa fez referência,
ainda, ao fato de que eu lamentei
não ter sido considerado um dos
dez paraibanos do século o poeta
popular Leandro Gomes de Barros, autor de mais de mil folhetos
da literatura de cordel e proposto,
por Carlos Drummond de Andrade, para "príncipe dos poetas brasileiros". Assim como afirmei que
também deveria ter entrado na
lista pelo menos uma mulher,
Anayde Beiriz, que (lembro agora) eu preferiria a Elba Ramalho,
pelo fato de esta, como Celso Furtado e eu, graças a Deus estar viva.
Entretanto William Costa ainda
se referiu generosamente a outra
opinião que emiti no momento de
dar meu voto ao poeta de Eu e
Outras Poesias:
"Se dependesse de Ariano, os
paraibanos do século seriam, pela
ordem de importância, Augusto
dos Anjos, José Lins do Rego e José Américo de Almeida. Na indicação deste último, outra demonstração dos princípios que
regem o caráter de Ariano, haja
vista ter sido José Américo um adversário político de sua família".
Para mostrar como, também
neste caso (e como afirmei sobre
Augusto dos Anjos), minha admiração é antiga, transcrevo as seguintes palavras, publicadas por
mim em 1967:
"Comumente, quando se fala na
obra de José Lins do Rego, é numa
referência ao ciclo da cana-de-açúcar ou principalmente a Fogo
Morto, romance que é considerado sua obra-prima. (...) No entanto, a meu ver, a obra mais forte do
escritor paraibano é a grande
Gesta de Aparício, nome que inventei para batizar o romance
único que José Lins do Rego separou em dois títulos: Pedra Bonita
e Cangaceiros. Os dois, juntos,
formam uma obra que nada fica a
dever a Os Sertões, de Euclydes
da Cunha, ou a Grande Sertão:
Veredas, de Guimarães Rosa.
Com a Gesta de Aparício, José
Lins do Rego filiou-se a uma tradição da literatura brasileira, a do
sertanismo, anterior à dos romances da zona da mata. (...) Na
verdade, depois dos regionalistas
cearenses do século 19, é com Os
Sertões que começa, realmente, o
ciclo dos grandes romances do
sertão nordestino. (...) Já os romances da Zona da Mata teriam
como livros iniciais e fundadores
A Bagaceira, de José Américo de
Almeida, e Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. (...) Quando escreve seus romances dos engenhos, José Lins do Rego entra
pelos caminhos abertos por Gilberto Freyre. Mas, quando escreve a grande gesta sertaneja de
Aparício, abandona essa picada e
retoma a anterior, aberta por
Euclydes da Cunha. E é aí que,
instintivamente, como grande escritor que era, permanecendo
sempre igual a si mesmo, perde
aquele adocicado da cana-de-açúcar, aquele macio de barro massapê da zona da mata, para escrever,
num estilo cortante, cheio de
arestas, de repetições angustiantes e pedregosas como a paisagem
da caatinga sertaneja, um livro
duro, desarmonioso, desigual,
cruel, violento e forte -uma obra
de gênio, inconsciente, intuitiva,
"mal-feita" e poderosa. Uma obra
cuja prosa, apesar ou por isso
mesmo, está muito próxima do
Cantar Del Mio Çid.
Assim, no momento em que,
para me dedicar mais exclusivamente a meu trabalho de escritor,
encerro minha colaboração na
Folha, agradeço, nas pessoas de
Otavio Frias Filho e Nelson de Sá,
a acolhida fraterna que durante
dois anos me deram aqui.
Quanto a meus poucos mas escolhidos leitores, despeço-me deles nas pessoas de Eveline Borges,
Antonio Nóbrega, Juliana Lima e
Paula Arruda. E digo a todos que,
se terminava cada exemplar do
Almanaque com a frase "continua na próxima semana", concluo o de hoje prometendo que
nossa conversa "continua no livro", isto é, no romance que, agora mais livre, tenho esperança de
acabar ainda este ano. Até lá, com
um grande e afetuoso abraço para
todos.
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