São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007

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NINA HORTA

Um tapinha não dói!

São miniaturas que se comem de uma só vez, como engolir, não um ovo de codorna, mas um Fabergé

UM TAPINHA não dói e, às vezes, 18 tapinhas são um deleite. Aprendi isso no Eñe, sentada no balcão, como num restaurante japonês, onde Javier, um dos gêmeos chefs, me mostrou a "arte del tapeo".
Tenho de confessar que já fui à Catalunha, mas não peguei o touro à unha. Já faz tanto tempo que ainda nem me interessava tanto por comida, num arrumar e desarrumar malas. Na minha cabeça, tapas ainda eram bocaditos rudes, como nossa comida de botequim. Nada contra, mas vejo que as tapas foram contaminadas pela nouvelle cuisine e todas as modernidades atuais que vieram embelezá-las e torná-las alta gastronomia. São miniaturas que se comem de uma só vez, como engolir, não um ovo de codorna, mas um Fabergé caprichado.
De vez em quando, é preciso escrever sobre comida nesta coluna.
Resolvi fazer uma lista do que comi.
E quando fui ler, vi o abismo que vai da palavra escrita ao fato em si.
Eram nomes, somente nomes. Deveria ter anotado a consistência, as cores e cheiros, mas já era tarde.
Quero explicar direito, para que possam fazer em casa, mas já vou avisando, é preciso muita paciência, mão delicada e atenção aos mínimos detalhes.
Vamos lá. Os pratos são grandes e pretos para enfatizar a beleza da comida. Outros são brancos, do tamanho de um pires, há cumbuquinhas, tigelas. Neles...
1- Um tomate cereja descascado, cozido, recheado de um ceviche de ostra, dentro de uma meia concha de ostra sobre sal grosso.
2- Fatias de foie gras marinado e cozido no vinho com especiarias (canela, cardamomo, sal grosso, pimenta de La Vera) até que o interior do fígado esteja a 45ºC. Ao lado, um buquezinho de minirrúcula.
3- Uma cumbuquinha com a superfície verde. Enfia-se dentro o garfo, e é um purê de batatas delicado, recoberto por uma emulsão de salsinha.
4- Um tartar de robalo, corvina, maçã, azeite de manjericão e, por cima, ovas de peixe-voador.
5- Rodelas de batatinha cozida carregando um pedacinho de polvo.
O polvo é feito no vácuo com louro, azeite e pimentão. As batatas são cozidas no líquido de cozimento do polvo. Pequenino e saboroso.
5- Batatas bravas que são batatinhas cozidas, descascadas, levemente fritas, escavadas e recheadas com maionese, açafrão e pimenta, daí seu nome: brava.
6- Croquetas de jámon -croquetinhos feitos de béchamel e presunto.
7- Este a maior das delícias. Uma cumbuca com purê de mandioquinha com sagu cozido em tinta de lula, que fica exatamente como um caviar de bolinhas idênticas, pretas e rolando pela língua.
Bom, basta, vou pular alguns, sem me esquecer de umas batatinhas chips, como uma Pringles feita em casa, sustentando um ovinho de codorna frito.
E, para culminar, um prato de verdade. Um pernil pequeno, de leitoa de 5 kg, que é posta em salmoura de sal grosso, lavada, colocada em bolsas de vácuo e levada ao forno por sete horas. No último minuto, vai para uma frigideira, ao forno muito alto, para ficar crocante. Acompanhada por fatias de maçãs Smith, ácidas, salteadinhas na manteiga.
E tapas de sobremesa. Morangos com menta para limpar o paladar, sorvete de mexerica com caldinha leve de manjericão e uma tortinha (desculpem o excesso de diminutivos, mas é tudo pequeno), quente, de chocolate.
Fui duas vezes seguidas. Um dia comi das mãos de um dos gêmeos, Javier, um cozinheiro dedicado que faz tudo com imenso equilíbrio. Duvidei que alguém pudesse substituí-lo. Da segunda vez, estava lá o chef Flávio Miyamura. Aprendeu com os gêmeos a tapear igualzinho, inclusive a falar "dulzor" em vez de doçura. Viva!


ninahorta@uol.com.br

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