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NINA HORTA
Um tapinha não dói!
São miniaturas que se comem de uma só vez, como engolir, não um ovo de codorna, mas um Fabergé
UM TAPINHA não dói e, às vezes, 18 tapinhas são um deleite. Aprendi isso no Eñe,
sentada no balcão, como num restaurante japonês, onde Javier, um
dos gêmeos chefs, me mostrou a "arte del tapeo".
Tenho de confessar que já fui à Catalunha, mas não peguei o touro à
unha. Já faz tanto tempo que ainda
nem me interessava tanto por comida, num arrumar e desarrumar malas. Na minha cabeça, tapas ainda
eram bocaditos rudes, como nossa
comida de botequim. Nada contra,
mas vejo que as tapas foram contaminadas pela nouvelle cuisine e todas as modernidades atuais que vieram embelezá-las e torná-las alta
gastronomia. São miniaturas que se
comem de uma só vez, como engolir,
não um ovo de codorna, mas um Fabergé caprichado.
De vez em quando, é preciso escrever sobre comida nesta coluna.
Resolvi fazer uma lista do que comi.
E quando fui ler, vi o abismo que vai
da palavra escrita ao fato em si.
Eram nomes, somente nomes. Deveria ter anotado a consistência, as
cores e cheiros, mas já era tarde.
Quero explicar direito, para que
possam fazer em casa, mas já vou
avisando, é preciso muita paciência,
mão delicada e atenção aos mínimos
detalhes.
Vamos lá. Os pratos são grandes e
pretos para enfatizar a beleza da comida. Outros são brancos, do tamanho de um pires, há cumbuquinhas,
tigelas. Neles...
1- Um tomate cereja descascado,
cozido, recheado de um ceviche de
ostra, dentro de uma meia concha
de ostra sobre sal grosso.
2- Fatias de foie gras marinado e
cozido no vinho com especiarias
(canela, cardamomo, sal grosso, pimenta de La Vera) até que o interior
do fígado esteja a 45ºC. Ao lado, um
buquezinho de minirrúcula.
3- Uma cumbuquinha com a superfície verde. Enfia-se dentro o garfo, e é um purê de batatas delicado,
recoberto por uma emulsão de salsinha.
4- Um tartar de robalo, corvina,
maçã, azeite de manjericão e, por cima, ovas de peixe-voador.
5- Rodelas de batatinha cozida
carregando um pedacinho de polvo.
O polvo é feito no vácuo com louro,
azeite e pimentão. As batatas são cozidas no líquido de cozimento do
polvo. Pequenino e saboroso.
5- Batatas bravas que são batatinhas cozidas, descascadas, levemente fritas, escavadas e recheadas com
maionese, açafrão e pimenta, daí seu
nome: brava.
6- Croquetas de jámon -croquetinhos feitos de béchamel e presunto.
7- Este a maior das delícias. Uma
cumbuca com purê de mandioquinha com sagu cozido em tinta de lula, que fica exatamente como um caviar de bolinhas idênticas, pretas e
rolando pela língua.
Bom, basta, vou pular alguns, sem
me esquecer de umas batatinhas
chips, como uma Pringles feita em
casa, sustentando um ovinho de codorna frito.
E, para culminar, um prato de verdade. Um pernil pequeno, de leitoa
de 5 kg, que é posta em salmoura de
sal grosso, lavada, colocada em bolsas de vácuo e levada ao forno por
sete horas. No último minuto, vai
para uma frigideira, ao forno muito
alto, para ficar crocante. Acompanhada por fatias de maçãs Smith,
ácidas, salteadinhas na manteiga.
E tapas de sobremesa. Morangos
com menta para limpar o paladar,
sorvete de mexerica com caldinha
leve de manjericão e uma tortinha
(desculpem o excesso de diminutivos, mas é tudo pequeno), quente, de
chocolate.
Fui duas vezes seguidas. Um dia
comi das mãos de um dos gêmeos,
Javier, um cozinheiro dedicado que
faz tudo com imenso equilíbrio. Duvidei que alguém pudesse substituí-lo. Da segunda vez, estava lá o chef
Flávio Miyamura. Aprendeu com os
gêmeos a tapear igualzinho, inclusive a falar "dulzor" em vez de doçura.
Viva!
ninahorta@uol.com.br
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