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ARTES PLÁSTICAS
A aventura de Paul Gauguin e o crime de ser ele mesmo
BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Como você vê essas árvores? Amarelas? Pois então
ponha no quadro o amarelo mais
forte da sua paleta. A sombra você
vê como? Ela está mais para o
azul? Pinte-a com o azul do além-mar, puro. E as folhas? Vermelhas? Ponha um vermelhão." A isso Gauguin (1848-1903) acrescenta que o artista deve pintar o que
sente e não o que vê, subvertendo
as convenções acadêmicas. Tudo
menos a pintura fotográfica, a reprodução fiel da realidade.
A Emile Schuffenecker, um dos
seus discípulos, diz: "A arte é uma
abstração. Procure extraí-la da
natureza, sonhando com a natureza. Pense na criação que há de
resultar. Você só chega a Deus se
criar". Nesse caminho concebeu o
sintetismo, que preconiza o uso
das cores puras e os contornos
bem delineados. Opôs-se aos academicistas e se distanciou dos impressionistas, por quem foi reconhecido como revolucionário.
Pissaro e Degas o convidaram a se
juntar às exposições do grupo.
A aventura de Paul Gauguin foi
a de ser ele mesmo, seguir a própria via. Cometeu esse crime e pagou com a sua pessoa. Apesar de
já consagrado, em 1886, teve que
emprestar dinheiro para uma
passagem de trem de Paris a Pont-Aven, na Bretanha, a capital mundial da arte por três décadas. Capital que nasceu com a chegada de
Robert Wylie, em 1864, e cresceu
com a de outros americanos, além
de pintores europeus, que se instalaram deixando-se seduzir pela
beleza pitoresca do burgo, a amenidade da luz e a natureza selvagem dos arredores.
Nessa cidadezinha, Gauguin viveu a sua aventura antes de ir para
o Taiti. Ali encontrou Émile Bernard -erroneamente considerado o fundador do sintetismo,
Charles Laval, Schuffenecker,
Puigaudeau, Delavallée, Moret,
Jourdan, Filiger, Chamaillard,
Meyer de Haan, os seus discípulos. O movimento que surgiu teve
uma influência imensa. Depois de
Pont-Aven já não se pintará da
mesma maneira. O sintetismo antecipou o fovismo, anunciou o expressionismo, abriu a via para a
abstração e prefigurou a arte pop.
Entende-se por que as comemorações do centenário de Gauguin em Paris começaram com a
mostra "A Aventura de Pont-Aven" no Museu de Luxemburgo,
que Gauguin chamou de prostíbulo quando seus quadros foram
recusados. Nem "reparação simbólica", como diz o catálogo, nem
"vingança póstuma". Antes um
convite à meditação sobre a força
da arte verdadeira, a que reivindica o direito à expressão da subjetividade e por isso inova e dura.
Uma arte virulentamente moderna e eterna. De quem não apostou
no mercado. Ousou o Tempo.
Betty Milan é escritora e psicanalista,
autora de "O Papagaio e o Doutor" e "A
Paixão de Lia", entre outros
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