São Paulo, sexta, 26 de junho de 1998

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GASTRONOMIA
Coma a Paris da Copa


'Bistrôs contemporâneos' servem a culinária que deafia os melhores vinhos, queijos e pães do mundo; tudo, menos bacalhau norueguês


NINA HORTA
especial para Folha

Os viajantes felizardos estão na França há mais de quinze dias e já lhes começam a doer os calos. Um pouco de saudade da cama, do velho e fiel travesseiro, da poltrona preferida e da língua, da bendita língua portuguesa.
Paris, Paris, Paris. Comer é preciso, é coisa séria. Tudo, menos bacalhau norueguês. E onde anda a comida francesa? A quantas anda a comida francesa?
Pensando bem, se a Copa da Mundo fosse aqui, no Brasil, teríamos restaurantes de comida brasileira para o turista esfomeado? Lombo com tutu de feijão e torresmo, pato no tucupi, galinha ensopada com angu, bife caipira batido com molho de cebola, torta de galinha? Nem pensar.
Comida caseira boa só em casa.
O equivalente disso, em Paris, seria uma tenra carne assada "à la cuillère", pommes mousseline ou purê de batata, um espinafre batido ao natural e de sobremesa um leve suflê de pêssego. Moral da história.
Aí também não tem. Uhmm... talvez nos muito estrelados que sabem das coisas.
Alguns dizem que a comida francesa nasceu em torno de um tripé desafiador. Tinha que ser boa para encarar olho no olho o melhor vinho do mundo e combinar com ele. Precisava ser complexa para não ficar atrás do melhor queijo do mundo. E as sopas, e sucos da carne e molhos foram feitos para serem chupados pelo melhor pão do mundo.
Então, para começar, é possível levar para aquele quarto de hotel o pão, o queijo e o vinho, sem ter que pagar couvert.
Vão nesta página endereços bons de verdade, colhidos por Jeffrey Steingarten e Nicholas Behr, ambos americanos e francófilos. São lugares que não constam de guias, a não ser uma das padarias, a Poilâne, que tem um dono que sabe se promover como ninguém.
Culpa do chef
Já de posse de seu piquenique francês, sacola cheia de boa comida e bebida francesa, você se interroga sobre esta nouvelle cuisine que nem bem foi assimilada no Brasil e já parece estar fora de moda.
Todo mundo já sabe o que é. Poucas calorias, bastante tempo, técnica perfeita, muita atenção à estética do prato.
É cara porque os ingredientes são caros, e não há como não gostar dela porque é ótima.
Quando se apresenta ruim é culpa do cozinheiro que não soube entendê-la.
A acusação de que é mesquinha, de que as porções são mínimas não tem fundamento. As porções são calculadas em função de todo um cardápio, de uma pequena sinfonia de três a seis pratos. Como fazê-los grandes?
Quem aguentaria comê-los todos?
A nouvelle cuisine nem chega a ser uma ruptura total com o passado. Inspira-se na cozinha oriental, recria pratos antigos, às vezes funde o clássico com o novo, às vezes andam lado a lado. Foi um sopro de energia, vontade de criar, de fazer bem, cheia de graça.
E o espírito dessa revolução já foi absorvido e é irreversível. Já não temos estômago para o excesso. Fomos todos convertidos.
Ainda bem que nos resta o bistrô contemporâneo, idéia democrática de chefs três estrelas. Comida barata.
Bem, quase barata. A comida tradicional de bistrô feita com a técnica da haute cuisine usando ingredientes mais em conta. Em vez da trufa, a batata, o frango pelo pombo, a sardinha pelo linguado. Muitos cortes saborosos de carne de segunda. Cardápio delicioso, leve, caprichado.
Para vocês que estão aí e para os que vão para as finais, uma oferta dos humilhados e ofendidos, que ficaram aqui, já conformados.
Bonne chance.



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