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CINEMA
Sessenta anos após o fim do nazismo, país encena o Führer, no filme "Der Untergang"; Bruno Ganz faz o papel
Alemanha derruba tabu nacional e leva Adolf Hitler às telas
JOSÉ GALISI FILHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE BERLIM
O ator Bruno Ganz, 63, encarna
o mal absoluto no papel de Hitler
em seus últimos dias no "bunker"
em Berlim, em abril de 1945.
Sessenta anos depois do colapso
do regime nazista, o cinema alemão derruba um último tabu: interpretar o papel do Führer.
"Der Untergang - Hitler und das
Ende des 3. Reichs" (O declínio
-Hitler e o fim do Terceiro Reich),
uma superprodução de 14 milhões, estréia na Alemanha em
16/9 (no Brasil não há previsão).
Com direção de Oliver Hirschbiegel ("Das Experiment"), o filme
tem roteiro de Bernd Eichinger, e
é baseado no livro homônimo de
Joachim Fest, um dos principais
biógrafos de Hitler, e nos depoimentos da secretária particular de
Hitler, Traudl Junge.
Rodado em São Petesburgo,
Munique e Berlim, a produção já
vem despertando uma acirrada
polêmica: o risco de protagonizar,
com realismo e distância histórica, Hitler na escala humana de sua
demência individual e não como
mito na figura de Ganz (de "Asas
do Desejo").
"Este foi o capítulo mais traumático da história alemã, e temos
hoje a distância necessária para
evocá-lo pelo nome próprio", declarou Eichinger na coletiva de
imprensa em Berlim.
"O filme não se limita apenas a
Hitler, mas aborda, sobretudo, o
absurdo dessa luta final e o sofrimento da população civil na batalha de Berlim. É nessa precipitação dos fatos que se condensa a
essência da loucura do regime."
O filme é narrado da perspectiva de Junge (Alexandra Maria Lara), no contraste entre o espaço
do "bunker", onde Hitler se casaria com Eva Braun (Juliane Köhler) antes de suicidar-se, e as cenas de batalha de rua.
Diante do Exército Vermelho a
poucos metros da Chancelaria,
Hitler despede-se de seu arquiteto, Albert Speer (Heino Ferch),
afirmando que "permanecerá no
palco até cair a cortina".
Eichinger procurou contrapor e
desmistificar a auto-encenação
do regime com realismo. "Buscamos atingir o máximo de realismo. Mas esse realismo somente
pode ser um realismo dramatúrgico que se fixa no desenrolar
brutal dos acontecimentos. Não
foi preciso acrescentar muito a isso, pois eles são em si mesmos impregnados pela loucura."
Contra o risco do "kitsch e do
melodramático", disse: "Não se
trata de um filme de identificação
no sentido clássico do termo, mas
sobre a fascinação do colapso".
Rebatendo as críticas do risco do
material tornar-se objeto de culto
para neonazistas, acrescentou
que, embora existam "momentos
de identificação", trata-se de
apresentar ao público os fatos,
"sem moralizar" uma história até
hoje "reprimida", cujas testemunhas reais já desapareceram, e
que a cada dia se torna mais fantasmagórica diante de uma nova
forma de terrorismo suicida.
Ganz, cuja semelhança física
com Hitler é perturbadora -ambos têm quase a mesma idade-,
acrescentou que não se trata de
uma "identificação" com a personagem, mas de perceber, ao contrário, seu "vazio humano absoluto" no momento final de sua auto-encenação, no espaço claustrofóbico de um ciclo de loucura social que se encerra.
"Tive de procurar este mal em
mim mesmo." Ganz pretende
desmontar os "clichês demoníacos" e entender que forma de
"histeria coletiva" levou milhões
de pessoas a se identificarem com
uma figura tão banal, como o
"culto atual aos pop stars".
Uma das cenas mais marcantes
do filme é a reconstrução da última aparição pública de Hitler,
cumprimentando com mãos trêmulas pelo mal de Parkinson,
crianças que lutariam no "Volkssturm". Claustrofobia e loucura
são temas recorrentes no cinema
de Eichinger, que desconstruíra o
mito do RAF (grupo terrorista
dos anos 70) em "Todespiel"
(1997), num misto de documentário e ficção, ao iluminar os bastidores do seqüestro e morte de
Hans Martin Schleyer, em 1977.
Na esteira de "Der Untergang",
o cinema alemão vem recuperando o Terceiro Reich como filão.
No próximo ano, estréia um outro filme sobre Speer, do diretor
Heinrich Breloer ("Speer e Ele").
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