|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MPB CRÍTICA
Baianos do É o Tchan são imunes à crítica
ARTHUR NESTROVSKI
especial para a Folha
EsTa resenha sai com algum
atraso, porque o CD desapareceu
duas vezes sucessivas no trajeto
entre a gravadora e a redação do
jornal.Os moto-boys são os cavaleiros de lança em riste de um exército de adoradores do "tchan",
que parece ter tomado o Brasil, como a música sertaneja na era Collor.
Beto Jamaica e Washington
-autores de novas pérolas da
nossa poesia como "O califa tá de
olho no decote dela/ Tá de olho no
biquinho do peitinho dela" e
"Mexe a traseirinha/ Minha pitchulinha"- nos trazem agora 14
músicas, mais ou menos indistinguíveis umas das outras, com destaque para "Ralando o Tchan".
De "Mão Boba" a "Simbora,
Neném", de "I Love You" a
"Dança do Põe, Põe", o CD faria
as delícias do crítico Fernando de
Barros e Silva, que ainda não suspeita, talvez, do que o mercado de
discos tem a acrescentar ao museu
de horrores da televisão.
Mas nem todo seu requebrado
dialético seria o bastante para explicar tanta agitação em torno ao
tchan.
A agitação é menos em torno à
música do que a uma certa parte
privilegiada de sua musa. O que
justifica a promoção gigantesca do
disco, uma vez que Carla Perez
vem agora exibir uma parte secreta
e nunca antes exibida de sua anatomia: as cordas vocais.
Ela participa do dueto lírico
"Nêga Vá" alternando as linhas
do diálogo amoroso: "De quem é
a boquinha, nêga?/ Ela é sua, meu
chocolate/". Da voz de Carla, pode-se dizer que não causa vergonha, o que, no contexto, é um ponto contra. Não desafina -nem afina- e é mais teatro do que música, uma loiraça derretida na harmonia brasileira do estilo cafajeste.
No quesito loira, é um tanto surpreendente o sucesso arrasador
dessa "tcheca bem sapeca para
sambar". Medida por medida, há
meia centena mais bonitas do que
ela, e isto sem levar em conta o nariz. Só entre as apresentadoras de
programas infantis, nosso coração
bate mais forte por Angélica ou
Eliana, sem falar na nobilíssima
Xuxa, que, por comparação, já é
quase uma virgem.
Se não são as cordas vocais, então, deve ser mesmo um pouco
mais para baixo que se concentra o
talento musical e fotogênico da diva. Será que isto vende disco?
É melhor nem responder. Mas a
música, afinal, do que se trata?
Três acordes (subdominante, dominante e tônica, quase sempre
nesta ordem). Ritmo que combina
o "pagode" com o samba de periferia, em arranjos de gosto previsível e instrumentação semieletrônica. Refrão e coro entrecortados
por diálogos de baixaria ou interjeições de entusiasmo malandro.
Na decadência natural de todas
as coisas, temos Scheila, a companheira de dança de Carla, que, embora não cante, é retratada assim
mesmo no disco, exibindo não as
cordas vocais. Seria fácil ver nisto
uma alegoria dos tempos; mas se a
regra vale, então o duro mesmo é
pensar no que vem pela frente.
O disco, a rigor, não pode nem
ser resenhado. É imune a críticas. É
um fato consumado. É abaixo da
crítica. É o tchan.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|