São Paulo, sexta, 26 de setembro de 1997.



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MPB CRÍTICA
Baianos do É o Tchan são imunes à crítica

ARTHUR NESTROVSKI
especial para a Folha

EsTa resenha sai com algum atraso, porque o CD desapareceu duas vezes sucessivas no trajeto entre a gravadora e a redação do jornal.Os moto-boys são os cavaleiros de lança em riste de um exército de adoradores do "tchan", que parece ter tomado o Brasil, como a música sertaneja na era Collor.
Beto Jamaica e Washington -autores de novas pérolas da nossa poesia como "O califa tá de olho no decote dela/ Tá de olho no biquinho do peitinho dela" e "Mexe a traseirinha/ Minha pitchulinha"- nos trazem agora 14 músicas, mais ou menos indistinguíveis umas das outras, com destaque para "Ralando o Tchan".
De "Mão Boba" a "Simbora, Neném", de "I Love You" a "Dança do Põe, Põe", o CD faria as delícias do crítico Fernando de Barros e Silva, que ainda não suspeita, talvez, do que o mercado de discos tem a acrescentar ao museu de horrores da televisão.
Mas nem todo seu requebrado dialético seria o bastante para explicar tanta agitação em torno ao tchan.
A agitação é menos em torno à música do que a uma certa parte privilegiada de sua musa. O que justifica a promoção gigantesca do disco, uma vez que Carla Perez vem agora exibir uma parte secreta e nunca antes exibida de sua anatomia: as cordas vocais.
Ela participa do dueto lírico "Nêga Vá" alternando as linhas do diálogo amoroso: "De quem é a boquinha, nêga?/ Ela é sua, meu chocolate/". Da voz de Carla, pode-se dizer que não causa vergonha, o que, no contexto, é um ponto contra. Não desafina -nem afina- e é mais teatro do que música, uma loiraça derretida na harmonia brasileira do estilo cafajeste.
No quesito loira, é um tanto surpreendente o sucesso arrasador dessa "tcheca bem sapeca para sambar". Medida por medida, há meia centena mais bonitas do que ela, e isto sem levar em conta o nariz. Só entre as apresentadoras de programas infantis, nosso coração bate mais forte por Angélica ou Eliana, sem falar na nobilíssima Xuxa, que, por comparação, já é quase uma virgem.
Se não são as cordas vocais, então, deve ser mesmo um pouco mais para baixo que se concentra o talento musical e fotogênico da diva. Será que isto vende disco?
É melhor nem responder. Mas a música, afinal, do que se trata? Três acordes (subdominante, dominante e tônica, quase sempre nesta ordem). Ritmo que combina o "pagode" com o samba de periferia, em arranjos de gosto previsível e instrumentação semieletrônica. Refrão e coro entrecortados por diálogos de baixaria ou interjeições de entusiasmo malandro.
Na decadência natural de todas as coisas, temos Scheila, a companheira de dança de Carla, que, embora não cante, é retratada assim mesmo no disco, exibindo não as cordas vocais. Seria fácil ver nisto uma alegoria dos tempos; mas se a regra vale, então o duro mesmo é pensar no que vem pela frente.
O disco, a rigor, não pode nem ser resenhado. É imune a críticas. É um fato consumado. É abaixo da crítica. É o tchan.



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