São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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DVD/LANÇAMENTO

Caixa revela três momentos capitais do mestre Hitchcock

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"O Pensionista " (1927), "O Ringue" (1927) e "Chantagem e Confissão" (1929) são, por motivos diversos, os três momentos capitais de Hitchcock nos anos 20.
"O Pensionista" é o filme que marca a criação do método hitchcockiano do suspense. A história: uma série de assassinatos ocorre em Londres. Um pensionista hospeda-se em uma residência e a mocinha da casa aproxima-se dele. Será ele o estrangulador? E, se embarcamos nessa hipótese, o que acontecerá à garota?
Alfred Hitchcock (1899-1980) faz aqui o que faria depois em sua carreira: nunca deixa o sentido se acomodar inteiramente. Sugere, deixa que o espectador desenvolva sua própria hipótese, mas nunca lhe permite sossegar em suas certezas. Ao mesmo tempo, este é o filme em que aplica as técnicas aprendidas nos estúdios de Babelsberg, Alemanha, onde tinha visto Murnau filmar (exemplo: a superexposição no momento em que vemos o pensionista andando no andar superior e, ao mesmo tempo, o lustre do andar inferior balançando).
"O Ringue" é um caso de filme de não-suspense cheio de suspense. A saber: numa feira, existe um lutador chamado "Jack Um Round", já que demolia seus adversários sempre no primeiro assalto. Isso até que encontra um adversário durão.
Os dois homens disputarão o amor da garota da bilheteria ao longo do filme. Hitchcock desenvolverá o filme em torno das personalidades envolvidas na trama, investindo na ambigüidade da palavra "ring", que tanto se refere ao ringue de boxe propriamente dito quanto ao bracelete que a moça carrega em seu braço (símbolo de sua ligação preferencial com um deles).
Sobretudo neste filme, Hitchcock mostra um exorbitante domínio da narrativa. Domínio não é uma palavra boa para definir uma arte em que, naquele momento, tudo ainda era invenção. Mas a segurança de Hitchcock já é a de um mestre, em todo caso.

Mudo e sonoro
Para ter uma medida de sua maestria e de seu gênio, tomemos o caso, espantoso, de "Chantagem e Confissão". O filme, de 1929, estava previsto para ser mudo. Hitchcock intuiu que a Inglaterra entraria breve no sonoro e preparou uma versão alternativa.
Quando seu produtor decidiu optar pelo som, tudo já estava no ponto. Hitchcock não suportava o improviso. Ainda assim, um dado escapou: a atriz principal não era inglesa e ainda não havia dublagem. De maneira que foi preciso dublá-la por uma britânica no momento mesmo da filmagem.
Em "Chantagem e Confissão" o primeiro rolo de dez minutos é mudo e todo o restante, sonoro. É difícil imaginar as partes dialogadas sem som, como se Hitchcock já sonhasse há muito com o som e como se, sobretudo, ele lhe fizesse falta (diferentemente de um Fritz Lang, por exemplo).
Esses três filmes notáveis receberam cópias de qualidade variável. Alguns momentos de "O Pensionista" são francamente deficientes (mas há certo encanto nessa deficiência: parece que estamos num cineclube assistindo a uma cópia antiga); "O Ringue" está, em linhas gerais, OK; "Chantagem e Confissão" chega numa cópia admirável.
Os extras são modestos. Mas, com três filmes assim, pode-se muito bem viver sem eles.


Coleção Alfred Hitchcock (Anos 20)
    
Direção: Alfred Hitchcock
Lançamento: Multimedia
Quanto: R$ 90, em média



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