São Paulo, segunda, 26 de outubro de 1998

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Linha do escritor liga Brixton ao centro de Londres

JAMES RAMPTON
do "Independent"

A garagem de ônibus de Brixton nunca viu algo assim. Em agosto, repórteres e fotógrafos saltavam dos táxis para pegar o ônibus da linha 137, que liga o bairro ao centro de Londres. Tudo para trocar uma palavrinha com o motorista Magnus Mills, que parecia uma versão intelectual de Clark Kent: o mais comum dos homens que se transforma à noite em herói.
Para toda a Inglaterra, a história de Mills soa como conto de fadas:um motorista de 44 anos de idade cujo livro de estréia é vendido por um "interessante milhão de libras" (US$ 1,89 milhões) e já está sendo transformado em filme.
Mas Mills não está impressionado com a febre que gerou na imprensa. Longe do sugerido 1 milhão, ele recebeu adiantamentos de 10 mil libras (US$ 18.900) da Flamingo, sua editora inglesa, US$ 5.000 dos editores americanos, 20 mil francos dos editores franceses e "menos de 10 mil libras" de uma produtora, a Apocalypso Film, caso algum filme venha a ser feito.
O que muitos repórteres não repararam é que "The Restraint of Beasts" é um sério esforço literário. Mills não fez um livro a partir dos estereótipos das garagens de ônibus -motoristas cheios de gírias e sotaques diferentes e inspetores violentos.
Ele escreveu sim uma comédia negra sobre Tam e Richie, dois rudes construtores de cercas rurais que deixam assassinato e caos pelos inóspitos lugares onde trabalham. Mills gosta de reforçar que "não há detetives de polícia ou hospitais ou qualquer uma dessas porcarias que estão nos romances atuais".
O livro tem uma simplicidade enganadora. O autor diz que "ao contrário da maioria dos escritores, eu não me arrisco em analisar os sentimentos das pessoas - isso tira metade do potencial de leitura da cabeça". A obra tem também uma presença de espírito que vai sendo incinerada aos poucos. As linhas demoram a detonar. "Eu olhei para ela", escreve Mills, "e percebi que por baixo de todas suas roupas ela estava totalmente nua."
"The Restraint of Beasts" foi indicado para o Booker Prize pela Flamingo. Os editores gostam de associá-lo a Kazuo Ishiguro e Paul Auster. Um crítico chamou-o de "um trabalho de um sinistro brilho". Os editores americanos cravaram que a obra é "Macbeth' filmada pelos irmãos Coen".
O diretor editorial da Flamingo, Phillip Gwyn Jones, fala com entusiasmo real sobre o "extraordinariamente distinto estilo de prosa" do escritor. "(O livro) Não é pretensioso ou tem o desagradável ar de superioridade que muitos livros de estréia possuem. Ele é muito plano, o que é incomum nesses dias. Usa poucos adjetivos ou advérbios. É reminiscente de (Samuel) Beckett e (Harold) Pinter. Magnus é um artesão, ele parece dirigir um ônibus como se fosse uma arte.
"The Restraint...' tem um adorável ritmo próprio. Não existem monólogos internos, filosofias, e nada que conecte o livro a qualquer período ou lugar. Ele é refrescante numa época onde tantos outros livros são auto-referentes e obcecados com rótulos. "The Restraint of Beasts' é genuinamente diferente de tudo."
Para Mills, a perseguição da imprensa e os elogios do alto escalão intelectual aconteceram sem deixar muitas marcas. Alto, moreno e simpático, ele é um homem essencialmente tímido que pára para pensar antes de responder a uma pergunta.Tem um astuto e seco senso de humor, muito útil desde que sua história virou assunto nacional.
A vida de Mills nada lembra a de outros escritores de primeira viagem. Depois de deixar sua natal Wolverhampton Poly 20 anos atrás, ele trabalhou durante seis anos como construtor de cercas e tem passado os últimos 12 anos em ônibus. Escreveu "The Restraint..." nos últimos dois anos e meio entre seus turnos de 9x12 (nove horas de trabalho com 12 de folga). Talentoso corredor, ciclista e navegador, Mills tem invejáveis reservas de energia -pode dar uma entrevista de duas horas de duração depois de um turno cheio de problemas de trânsito.
"Dirigir ônibus é apenas um emprego. A maioria dos meus amigos na garagem tem me apoiado bastante e dito "parabéns'. Eles acham que eu consegui um ingresso para uma vida melhor. Conduzir um ônibus na cidade diariamente pode parecer uma coleção de cenas de comédia de costumes, mas na verdade é algo muito duro de se fazer, especialmente na periferia."
"Seria ótimo não ter de trabalhar nove horas por dia numa garagem de ônibus. Mas você não tem liberdade se trabalha para alguém. Como escritor, você pode viver num mundo de fantasia -"vou trabalhar mais tarde, mas tomarei meu café da manhã primeiro'."
Mills sempre faz questão de agradecer o gerente da garagem de ônibus onde trabalha, que tem sido "muito generoso". "Ele podia pensar que tinha todos os horários organizados e aí um dos motoristas vira escritor e diz que não pode trabalhar em certo dia porque tem que dar entrevista a um jornal de circulação nacional. Mas ele afirma que não irá interferir no meu caminho, desde que eu não tire sarro (do trabalho). É uma boa publicidade para a companhia de ônibus."
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Tradução Denise Bobadilha



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