São Paulo, segunda, 26 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nova biografia minimiza o papel do ditador, que teria baseado suas teorias ideológicas em um darwinismo vulgar e uma teoria conspiratória anti-semita
Adolf Hitler

MICHAEL BURLEIGH
do "Independent on Sunday"

Adolf Hitler (1889-1945) ganhou uma sobrevida nos últimos anos. Alcançou os jornais no brilhante livro "Selling Hitler" (87), de Robert Harris, que narrava a falsificação dos diários do ditador, e agora ressurge com "Hitler 1889-1936: Hubris", do inglês Ian Kershaw, a primeira biografia erudita sobre o personagem nos últimos 20 anos.
Para o autor, a Alemanha nazista é melhor compreendida se nos centrarmos nos ativistas nativos ou nos funcionários graduados que deram efeito prático aos nebulosos esquemas do Fuhrer.
Kershaw conta que o jovem Hitler vivia de pequeno patrimônio e usava roupas que lhe eram dadas. Em 1909, o dinheiro de Hitler acabou e ele passou a rabiscar cartões postais para sobreviver.
Foi nessa época que começou a desenvolver temor pelo marxismo, e o seu próprio fracasso foi transformado em ódio visceral pela população judia, muito expressiva no leste de Viena.
O livro explica como alguém fadado a ser um pária social acabou se convertendo no líder de uma poderosa nação industrial.
Tendo fugido do serviço militar austríaco, uniu-se ao regimento bávaro como mensageiro. A guerra e as revoluções concomitantes na Alemanha, Hungria e Rússia radicalizaram o ódio de Hitler.
Juntou-se a um pequeno setor da base de Munique do Partido Alemão dos Trabalhadores, que fundia racismo a nacionalismo, tornando-se sua estrela exemplar.
Um senso de crescimento de sua importância levou Hitler à tentativa de usurpar o comando da cindida extrema-direita alemã, participando do "putsch da cervejaria", tentativa de golpe de Estado, em Munique, em 1923, que foi reprimida pela polícia alemã.
A experiência deu a ele notoriedade nacional e uma temporada na prisão de Landsberg, que serviu para a elaboração de sua ideologia.
O relato de Kershaw do Hitler ideólogo é sensacional. Ele admirava o dogmatismo e o fanatismo da esquerda marxista e a Igreja Católica. Para o autor, Hitler combinava vulgar darwinismo com uma teoria conspiratória anti-semita.
As políticas nazistas estavam fundidas em uma forma de fé, com Hitler atuando como messias. O veículo para essa missão política foi um movimento em onda que não era nem uma entidade política convencional, nem uma seita.
O Partido Nacional-Socialista era um microcosmo autoconsciente do igualitarismo da "comunidade nacional" dos protestantes, que serviu para aumentar sua atração entre as classes sociais, mesmo quando o apoio viesse de "pequenos homens" irritados e impotentes face aos grandes negócios, ao trabalho organizado e a crônicos reveses econômicos.
Uma série de crises, culminando na Grande Depressão, que se seguiu à quebra da Bolsa de Nova York em 1929, ajudou a aumentar o número de alemães votantes a abandonar a fidelidade política existente, juntando-se ao voto de protesto contra o sistema desacreditado de Weimar.
A depressão aumentou as filas do desemprego e fez subir a ansiedade da classe média sobre os comunistas, que começaram a praticar atos clandestinos de subversão. Os nazistas puderam, então, posar como guardiães da ordem.
A partir de 1930, os nazistas aumentaram seu apoio entre a maioria dos trabalhadores não-socialistas para cerca de 40%. Isso os levou ao ápice eleitoral, em 1932.
Kershaw faz uma narrativa detalhada do alto grau das intrigas envolvendo dois antigos chanceleres, Papen e Schleicher, e o círculo em torno do presidente Hindenburg, o dinossauro militar que não confiava em Hitler.
As rivalidades entre eles e a falta de apoio popular que os vitimava levaram Hitler a alcançar o mais alto posto do país em janeiro de 1933. O fundamento lógico era que, trazendo Hitler para um gabinete conservador, seria possível amansá-lo e expulsá-lo.
Mas com a ascensão de Hitler, liberdades democráticas foram demolidas rapidamente, com partidos rivais banidos ou dissolvidos. Os sindicatos ganharam um grande papel. Os oponentes foram assassinados ou aprisionados.
Em 1934, homens ambiciosos próximos a Hitler falavam sobre a crise, ao que ele respondeu desencadeando mais terror, promovendo o assassinato de mais de 80 pessoas, incluindo o general Rohm, o líder da SA (tropa de choque nazista), intelectuais conservadores e membros da juventude católica.
Os beneficiários foram o exército e os fanáticos da SS (polícia política dos nazistas). Como as vítimas foram caluniadas como homossexuais e traidores, suas mortes não geraram protestos.
Como diz Kershaw, Hitler tornou-se "o sustentáculo absolutamente indispensável do regime inteiro e ainda bastante ligado à máquina formal de governo".
De acordo com Kershaw, 1936 foi o momento em que Hitler começou a acreditar em seu próprio mito. "Que vocês tenham me encontrado entre tantos milhões é um milagre do nosso tempo! E que eu tenha encontrado vocês é uma felicidade da Alemanha."


Tradução Ana Maria Guariglia

Livro: Hitler 1889-1936: Hubris
Autor: Ian Kershaw
Lançamento: Allen Lane
Quanto: US$ 44,40
Onde comprar/encomendar: livraria Cultura (tel. 011/285-4033)




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.