São Paulo, Sexta-feira, 26 de Novembro de 1999


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA
"O Tronco", novo filme de João Batista de Andrade, está em festival
Faroeste à brasileira abre competição em Brasília

INÁCIO ARAUJO
enviado especial a Brasília

Definir "O Tronco" como um faroeste brasileiro pode soar um tanto vago. O fato é que o mais recente trabalho de João Batista de Andrade -que abriu na quarta-feira a mostra competitiva do 32º Festival de Brasília- passa-se de fato no Oeste (em Goiás), desenvolve-se em torno de uma epopéia de desbravamento no início do século e se propõe basicamente como filme de ação.
Os problemas de que trata também não deixam de ter afinidade com os faroestes americanos. A família Melo domina o norte do Estado, o que significa não apenas fazer a lei, mas exercê-la com crueldade. O coletor Vicente Lemos (Angelo Antonio), embora faça parte da família, não concorda com essa situação e recorre ao governo, que envia para a região um juiz (Antônio Fagundes) e tropas capazes de impor uma noção menos selvagem de justiça.
A partir daí, as coisas mudam um pouco, e o filme se afasta da concepção clássica do faroeste, em que o mocinho consegue impor a vitória da justiça, e se torna mais brasileiro.
Herói patético, Vicente se verá imobilizado entre a inépcia do Estado e o vale-tudo da, digamos, iniciativa privada. Estado e particulares impõem, é fácil concluir, a barbárie como modo de vida.
As óbvias semelhanças com o Brasil atual fariam supor uma carreira comercial mais feliz para esse filme, que passou de forma meteórica em São Paulo. Fracasso injusto, pois em relação ao filme anterior do diretor, "O Cego Que Gritava Luz", os progressos são quase inimagináveis. Personagens de carne e osso, atores bem dirigidos, capacidade de lançar expectativas, sentido de atmosfera, boa exploração da paisagem da região são virtudes a notar.
Não que tudo sejam rosas. Batista impõe um andamento excessivamente tradicional à sua trama, o que determina uma queda a partir do segundo terço do filme, que se consolida no terço final, quando cede à tentação do simbolismo e ao encantamento com a música de Tavinho Moura.
Com isso, as transições -puxadas a fusões e fusões sobre fusões-, que já incomodavam no início, tornam-se quase tão importantes quanto as cenas de ação, as reiterações viram prática frequente, a virtude da síntese se perde e o conjunto perde força.
O espectador, no entanto, tende a reter mais as virtudes do que os defeitos, talvez porque Batista observe seus personagens como seres humanos e não como abstrações. Não se vêem mais os combates esquemáticos entre vítimas e carrascos, justos e injustos -constante nos filmes do cineasta- velho militante comunista.
Agora, Batista parece tomado por um sincero desapontamento em relação aos destinos do país, mas, em vez de derivar para a verborragia rancorosa de "O Cego", opta pela observação e análise.
Em suma, apesar do título nada sugestivo, "O Tronco" está longe de ser um filme a ignorar.
O mesmo não se pode dizer de "Por Trás do Pano", de Luiz Villaça, que é, em resumidas contas, um filme teatral sobre a vida teatral, girando em torno do que será, presume-se, uma das piores montagens de "Macbeth".
Já no primeiro dia, a fórmula do festival (dois longas e dois curtas a cada dia) começa a mostrar seus inconvenientes. Boa parte da platéia -que abarrotava o cine Brasília- deixou a sala antes do final, menos em função de um desapreço pelo segundo filme do que pelo desconforto, seja da maratona de filmes, seja do horário.


Texto Anterior: Netvox - Maria Ercilia: Sob medida, a domicílio e ao gosto do freguês
Próximo Texto: Carvoeiros vão ao Sundance pelo Brasil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.