PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Assim como a Imperatriz Leopoldinense vende seus enredos a Estados que queiram se ver no desfile, o cinema nacional capricha para justificar cada centavo "regional" recebido. "No Coração dos Deuses", aventura que estréia hoje em São Paulo, é passeio pelas cachoeiras, grutas e cursos fluviais do Estado de Tocantins.
A dar forma a esse intento canhestro, um argumento que, adivinha, se apóia na efeméride aplainadora do Descobrimento. Antônio Fagundes, Roberto Bomfim e outros decidem seguir uma suposta bandeira por Goiás, cujo fim seria Martírios, uma espécie de Cocanha brasileira. Mas ao invés do vinho jorrar como rio, em Martírios as esmeraldas é que pululam, saltam à frente dos mortais como sapos.
Então já temos aí um "mito" brasileiro, algo colonizador, mas vá lá (o que fariam os índios brasileiros com esmeraldas?); personagens históricos destemidos (Anhanguera, Borba Gato). Acharam legal estruturar o roteiro como uma sequência de fases a serem vencidas, com num videogame. Alguém também se lembrou de ter ouvido falar que o Sepultura esteve entre os xavantes, vamos convidá-los para a trilha?
Mas seria muito chato fazer um filme de época. Veio a luz: um pedaço de mapa, feito de couro, vai chegar à margem do Tocantins, numa pacata vila, à beira do século 21, para criar identificação com o público. Daí os protagonistas já podem viajar também no tempo, cruzando com personagens de priscas eras.
E o nosso Fagundes de hoje poderá até dizer a Fernão Dias que ele será traído (é, acho que vi isso num filme americano qualquer).
Há que se mostrar os índios também, mas, não, os índios são caras legais, nem canibais direito foram, dão apenas uns sustos nos nossos heróis, mas no final são enrolados direitinho, como aquele alemão de araque que pegava no pé de Didi Mocó.
Que poderia até fazer umas adaptações e tomar para si o roteiro, o que provavelmente sensibilizaria um cardápio mais plural de investidores.
Já que não, tome cachoeira, rio, gruta, urucum, verão o ano todo.

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