São Paulo, Sexta-feira, 26 de Novembro de 1999


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ARTES PLÁSTICAS
Nove artistas brasileiros instalam, a partir deste mês, obras em fronteiras com países do Mercosul
Projeto aposta em integração cultural

JULIANA MONACHESI
free-lance para a Folha


O primeiro marco de uma inédita integração cultural com o Mercosul vai ser fincado domingo na cidade de Uruguaiana (RS), na fronteira com a Argentina. A obra "Mesas", de Nelson Felix, dá início à concretização do projeto "Fronteiras", do Itaú Cultural.
O instituto convidou nove artistas plásticos a criar projetos de esculturas ou instalações, com base na idéia de fronteira, para serem realizados em pontos fronteiriços entre Brasil e outros países do Mercosul. O objetivo é celebrar os 500 anos levando até às bordas do país a produção cultural brasileira.
Nelson Felix concebeu uma obra de arte que deve ficar pronta em 250 ou 300 anos. São 22 mudas de figueira plantadas em torno de nove chapas de aço que medem, soldadas, 51 metros.
As mudas serão colocadas bem rentes à placa de aço, que ficará apoiada em tocos de eucalipto. A sustentação é provisória porque a madeira apodrece com o tempo, o suficiente para as pequenas árvores "morderem" a chapa de aço e passarem a sustentá-la.
A "mordida" vai demorar de 12 a 15 anos para acontecer. "Após esse período o trabalho já estará estruturado. Mas o resultado final nenhum de nós vai conseguir ver realizado. Essa situação me interessa porque traduz a impotência do ser humano, preso ao tempo."
A obra integra um elemento vegetal a um signo de cultura. A partir do momento em que o artista interfere na criação da natureza, deformando as árvores, ela passa a ser um objeto cultural. A mesma relação processa-se entre a escultura e o cenário totalmente plano, onde a obra deforma o horizonte.
O futuro da obra é imprevisível, quem sabe se a cidade não crescerá anulando o efeito da escultura no horizonte ou se a peça será preservada. "A impossibilidade de dominar as coisas é própria da arte, tem muita poesia nisso", diz.
A iniciativa tem sido bem recebida no contato dos artistas e do Itaú Cultural com as cidades, mas deve causar alguma polêmica conforme for sendo realizada. O historiador José Murilo de Carvalho, professor titular do departamento de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro, questiona a marcação de fronteiras quando o momento histórico aponta na direção de apagá-las.
"Para reafirmar a ação conquistadora dos bandeirantes? Reafirmar nossa conquista de um grande império geográfico? Reafirmar nossa identidade em relação aos vizinhos com os quais tivemos várias guerras? Ou transformar em símbolo amistoso uma relação que já foi violenta? Realmente não sei, assim como não sei também como a iniciativa vai ser recebida pelos vizinhos", afirma ele.
Segundo o diretor do Itaú Cultural, Ricardo Ribenboim, a idéia do projeto é propor uma integração com um público que está fora do núcleo de produção artística do país e que poderá criar um circuito artístico-cultural.
A artista Carmela Gross achou que só seria possível desenvolver uma obra para o projeto "Fronteiras" dentro de uma cidade, porque vê a arte como troca.
Descobriu em Dionísio Cerqueira (SC), quase na divisa com a Argentina, uma praça isolada do centro de passagem da cidade e imaginou uma intervenção que não fosse apenas um monumento para ser visto, mas a tornasse um local para fazer festas populares, por exemplo. Teve várias reuniões com o prefeito e com os secretários de Cultura e de Educação para explicar sua idéia de cobrir o piso da praça com mosaico.
O trabalho é feito de linhas de alto contraste, constituindo uma figura que é um misto de paisagem, de tipografia. "É antropomórfico. Gosto dessa coisa híbrida, que é uma possível figuração de planta, de homem."
A artista aponta as linhas como símbolo de divisão, de limites. "Me interesso muito pelo limite das coisas." Primeira obra de arte pública que Carmela realiza, a instalação guarda coerência com sua trajetória artística, sempre ligada ao desenho.
A construção do pavimento, que utilizará pedras da própria região, está prevista para março. Antes disso, a cidade de Itapiranga (SC) deve receber a obra de Waltercio Caldas, que consiste em um marco topográfico e um livro com sua reprodução.
"Nunca se vêem as fronteiras. O livro representa a situação cartográfica poeticamente, faz a ponte entre objeto invisível e as pessoas", explica o artista, que vem desenvolvendo há 30 anos a poética dos objetos-livro.
O marco na fronteira virá acompanhado de um mirante à beira do rio Uruguai, que ficará a cerca de 10 quilômetros da cidade, para ser "um local a que se pode ir, que possibilita um passeio".


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