|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES PLÁSTICAS
Nove artistas brasileiros instalam, a partir deste mês, obras em fronteiras com países do Mercosul
Projeto aposta em integração cultural
JULIANA MONACHESI
free-lance para a Folha
O primeiro marco de uma inédita integração cultural com o
Mercosul vai ser fincado domingo na cidade de Uruguaiana (RS),
na fronteira com a Argentina. A
obra "Mesas", de Nelson Felix, dá
início à concretização do projeto
"Fronteiras", do Itaú Cultural.
O instituto convidou nove artistas plásticos a criar projetos de esculturas ou instalações, com base
na idéia de fronteira, para serem
realizados em pontos fronteiriços
entre Brasil e outros países do
Mercosul. O objetivo é celebrar os
500 anos levando até às bordas do
país a produção cultural brasileira.
Nelson Felix concebeu uma
obra de arte que deve ficar pronta
em 250 ou 300 anos. São 22 mudas de figueira plantadas em torno de nove chapas de aço que medem, soldadas, 51 metros.
As mudas serão colocadas bem
rentes à placa de aço, que ficará
apoiada em tocos de eucalipto. A
sustentação é provisória porque a
madeira apodrece com o tempo,
o suficiente para as pequenas árvores "morderem" a chapa de aço
e passarem a sustentá-la.
A "mordida" vai demorar de 12
a 15 anos para acontecer. "Após
esse período o trabalho já estará
estruturado. Mas o resultado final
nenhum de nós vai conseguir ver
realizado. Essa situação me interessa porque traduz a impotência
do ser humano, preso ao tempo."
A obra integra um elemento vegetal a um signo de cultura. A partir do momento em que o artista
interfere na criação da natureza,
deformando as árvores, ela passa
a ser um objeto cultural. A mesma
relação processa-se entre a escultura e o cenário totalmente plano,
onde a obra deforma o horizonte.
O futuro da obra é imprevisível,
quem sabe se a cidade não crescerá anulando o efeito da escultura
no horizonte ou se a peça será
preservada. "A impossibilidade
de dominar as coisas é própria da
arte, tem muita poesia nisso", diz.
A iniciativa tem sido bem recebida no contato dos artistas e do
Itaú Cultural com as cidades, mas
deve causar alguma polêmica
conforme for sendo realizada. O
historiador José Murilo de Carvalho, professor titular do departamento de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
questiona a marcação de fronteiras quando o momento histórico
aponta na direção de apagá-las.
"Para reafirmar a ação conquistadora dos bandeirantes? Reafirmar nossa conquista de um grande império geográfico? Reafirmar
nossa identidade em relação aos
vizinhos com os quais tivemos várias guerras? Ou transformar em
símbolo amistoso uma relação
que já foi violenta? Realmente não
sei, assim como não sei também
como a iniciativa vai ser recebida
pelos vizinhos", afirma ele.
Segundo o diretor do Itaú Cultural, Ricardo Ribenboim, a idéia
do projeto é propor uma integração com um público que está fora
do núcleo de produção artística
do país e que poderá criar um circuito artístico-cultural.
A artista Carmela Gross achou
que só seria possível desenvolver
uma obra para o projeto "Fronteiras" dentro de uma cidade, porque vê a arte como troca.
Descobriu em Dionísio Cerqueira (SC), quase na divisa com a
Argentina, uma praça isolada do
centro de passagem da cidade e
imaginou uma intervenção que
não fosse apenas um monumento
para ser visto, mas a tornasse um
local para fazer festas populares,
por exemplo. Teve várias reuniões com o prefeito e com os secretários de Cultura e de Educação para explicar sua idéia de cobrir o piso da praça com mosaico.
O trabalho é feito de linhas de
alto contraste, constituindo uma
figura que é um misto de paisagem, de tipografia. "É antropomórfico. Gosto dessa coisa híbrida, que é uma possível figuração
de planta, de homem."
A artista aponta as linhas como
símbolo de divisão, de limites.
"Me interesso muito pelo limite
das coisas." Primeira obra de arte
pública que Carmela realiza, a
instalação guarda coerência com
sua trajetória artística, sempre ligada ao desenho.
A construção do pavimento,
que utilizará pedras da própria região, está prevista para março.
Antes disso, a cidade de Itapiranga (SC) deve receber a obra de
Waltercio Caldas, que consiste
em um marco topográfico e um
livro com sua reprodução.
"Nunca se vêem as fronteiras. O
livro representa a situação cartográfica poeticamente, faz a ponte
entre objeto invisível e as pessoas", explica o artista, que vem
desenvolvendo há 30 anos a poética dos objetos-livro.
O marco na fronteira virá
acompanhado de um mirante à
beira do rio Uruguai, que ficará a
cerca de 10 quilômetros da cidade, para ser "um local a que se pode ir, que possibilita um passeio".
Texto Anterior: Mundo Gourmet - Josimar Melo: Rossini é italiano discreto Próximo Texto: Obra de Fajardo não tem local definido Índice
|