|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ERUDITA
Obra de David Appleby resgata relacionamento do compositor com a mãe, que combateu vocação musical do autor
Biografia analisa legado de Villa-Lobos
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em uma entrevista, em Nova
York, Villa-Lobos foi perguntado
sobre o uso de melodias indígenas
em sua música. Ele respondeu
que usava, sim, mas que eram
melodias tão antigas que os índios
atuais não as conheciam.
Pergunta: "Se as melodias foram esquecidas pelos índios de
hoje, como o senhor conseguiu
entrar em contato com elas?".
Villa-Lobos, rápido: "Pelos papagaios. Os papagaios brasileiros
ouviram essas melodias há muitos anos e não as esqueceram. Eles
vivem até uma idade muito avançada. Ouvi os papagaios e anotei
as melodias".
Típica do caráter e temperamento do compositor, a anedota
também ilustra o tom da biografia
"Heitor Villa-Lobos: A Life (1887-1959)", lançada este ano nos EUA
pela Scarecrow Press.
Seu autor, David P. Appleby,
nasceu em Belo Horizonte, em
1925, filho de um pastor protestante norte-americano. Teve o
português como primeira língua e
morou no Brasil até os 17 anos,
quando se mudou para a pátria de
seus pais para estudar.
Fez doutorado sobre música
brasileira na Universidade de Indiana e prosseguiu pesquisando o
tema, tendo escrito, em 1983,
"The Music of Brazil".
"Quando estava fazendo as pesquisas para este livro, estive várias
vezes no Museu Villa-Lobos, no
Rio de Janeiro, em contato com a
Mindinha (segunda mulher do
compositor)", afirma Appleby,
que, depois de uma carreira de
professor universitário, está aposentado e reside em Fort Worth
(Texas), de onde falou à Folha,
por telefone e em português.
Foi o contato com Mindinha
que o levou a escrever a biografia
de Villa-Lobos, compositor sobre
o qual já redigiu "Heitor Villa-Lobos: A Bio-Bibliography".
Nas várias viagens que fez ao
Brasil, a Paris e dentro dos EUA,
Appleby entrevistou, além de
Mindinha e sua família, vários
membros da família da primeira
mulher do compositor, Lucília
Guimarães, além de se apoiar nas
mais conhecidas referências bibliográficas sobre o autor, como
as obras de Lisa Peppecorn, Simon Wright e Vasco Mariz.
"Há 77 livros sobre Villa-Lobos,
em diversos idiomas, com enormes diferenças de opinião sobre
suas obras", diz Appleby. Para
complicar, o compositor também
se dedicava a fantasiar os relatos
sobre sua biografia. "A cada pessoa ele contava uma história diferente sobre suas viagens entre
1905 e 1911, sobre o tempo em que
teria morado com tribos indígenas. Saber o que realmente aconteceu foi o mais difícil", afirma.
Enquanto a maioria das biografias se concentra na importância
de seu pai, Raul, o livro resgata
Noêmia, a mãe, que combateu
sua vocação musical.
Também estão lá a relevância
do pianista Arthur Rubinstein para o início da carreira internacional do compositor; sua atuação
pedagógica nos anos 30; e os problemas legais e morais advindos
de sua decisão de abandonar Lucília para viver com Mindinha.
Ao analisar o legado do compositor, Appleby escreve que "Villa-Lobos criou o reconhecimento internacional da música brasileira
que tornou possível o sucesso,
mais tarde, da música popular
brasileira", colocando-o como
um precursor de Tom Jobim,
Caetano Veloso e Chico Buarque.
"Villa-Lobos não ligou para diferenças estilísticas entre música
clássica e música popular", afirma. "Tentou exprimir a alma brasileira com as idéias dele, formulando seu estilo individual."
HEITOR VILLA-LOBOS: A LIFE (1887-1959). De: David P. Appleby. Quanto: R$
140 (224 págs.). Onde encomendar:
editora Scarecrow Press
(www.scarecrowpress.com).
Texto Anterior: Mundo Gourmet: Doceria Choisie agora convive com irmão bistrô Próximo Texto: Cinema: Licença para vender Índice
|