São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

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ERUDITA

Obra de David Appleby resgata relacionamento do compositor com a mãe, que combateu vocação musical do autor

Biografia analisa legado de Villa-Lobos

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em uma entrevista, em Nova York, Villa-Lobos foi perguntado sobre o uso de melodias indígenas em sua música. Ele respondeu que usava, sim, mas que eram melodias tão antigas que os índios atuais não as conheciam.
Pergunta: "Se as melodias foram esquecidas pelos índios de hoje, como o senhor conseguiu entrar em contato com elas?".
Villa-Lobos, rápido: "Pelos papagaios. Os papagaios brasileiros ouviram essas melodias há muitos anos e não as esqueceram. Eles vivem até uma idade muito avançada. Ouvi os papagaios e anotei as melodias".
Típica do caráter e temperamento do compositor, a anedota também ilustra o tom da biografia "Heitor Villa-Lobos: A Life (1887-1959)", lançada este ano nos EUA pela Scarecrow Press.
Seu autor, David P. Appleby, nasceu em Belo Horizonte, em 1925, filho de um pastor protestante norte-americano. Teve o português como primeira língua e morou no Brasil até os 17 anos, quando se mudou para a pátria de seus pais para estudar.
Fez doutorado sobre música brasileira na Universidade de Indiana e prosseguiu pesquisando o tema, tendo escrito, em 1983, "The Music of Brazil".
"Quando estava fazendo as pesquisas para este livro, estive várias vezes no Museu Villa-Lobos, no Rio de Janeiro, em contato com a Mindinha (segunda mulher do compositor)", afirma Appleby, que, depois de uma carreira de professor universitário, está aposentado e reside em Fort Worth (Texas), de onde falou à Folha, por telefone e em português.
Foi o contato com Mindinha que o levou a escrever a biografia de Villa-Lobos, compositor sobre o qual já redigiu "Heitor Villa-Lobos: A Bio-Bibliography".
Nas várias viagens que fez ao Brasil, a Paris e dentro dos EUA, Appleby entrevistou, além de Mindinha e sua família, vários membros da família da primeira mulher do compositor, Lucília Guimarães, além de se apoiar nas mais conhecidas referências bibliográficas sobre o autor, como as obras de Lisa Peppecorn, Simon Wright e Vasco Mariz.
"Há 77 livros sobre Villa-Lobos, em diversos idiomas, com enormes diferenças de opinião sobre suas obras", diz Appleby. Para complicar, o compositor também se dedicava a fantasiar os relatos sobre sua biografia. "A cada pessoa ele contava uma história diferente sobre suas viagens entre 1905 e 1911, sobre o tempo em que teria morado com tribos indígenas. Saber o que realmente aconteceu foi o mais difícil", afirma.
Enquanto a maioria das biografias se concentra na importância de seu pai, Raul, o livro resgata Noêmia, a mãe, que combateu sua vocação musical.
Também estão lá a relevância do pianista Arthur Rubinstein para o início da carreira internacional do compositor; sua atuação pedagógica nos anos 30; e os problemas legais e morais advindos de sua decisão de abandonar Lucília para viver com Mindinha.
Ao analisar o legado do compositor, Appleby escreve que "Villa-Lobos criou o reconhecimento internacional da música brasileira que tornou possível o sucesso, mais tarde, da música popular brasileira", colocando-o como um precursor de Tom Jobim, Caetano Veloso e Chico Buarque.
"Villa-Lobos não ligou para diferenças estilísticas entre música clássica e música popular", afirma. "Tentou exprimir a alma brasileira com as idéias dele, formulando seu estilo individual."


HEITOR VILLA-LOBOS: A LIFE (1887-1959). De: David P. Appleby. Quanto: R$ 140 (224 págs.). Onde encomendar: editora Scarecrow Press (www.scarecrowpress.com).


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