São Paulo, sexta, 27 de fevereiro de 1998

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CRÍTICA
Meio, mensagem e mutilação

Divulgação
Cena da batalha contra insetos alienígenas em "Tropas Estelares"


SÉRGIO DÁVILA
Editor da Ilustrada

Entre as várias maneiras de se falar sobre o controvertido filme "Tropas Estelares" (Starship Troopers), que estréia hoje, a que parece ser menos cansativa para o leitor é dividir o filme em dois: o meio e a mensagem.
O meio
O quadro de ficção científica sobre o qual o filme se desenvolve tem a competência habitual dos canalhas endinheirados, que é o caso do diretor Paul Verhoeven ("Instinto Selvagem").
O holandês que vive nos EUA traz em seu currículo dois semiclássicos do gênero, "O Vingador do Futuro" e "Robocop" -ou seja, o sujeito sabe do que fala.
Escolheu como história o livro homônimo de 1959 do escritor norte-americano Robert Heinlein, que ganhou várias vezes o Hugo (o "Oscar" literário da ficção científica). Espécie de vade-mécum do militarismo, é melhor que o filme (leia texto nesta página).
"Tropas Estelares", livro e filme, conta a história de uma infantaria humana que combate insetos gigantes do planeta Klendathu, no século 24, em represália a um ataque anterior dos alienígenas, que destruíram Buenos Aires (Bem...).
O filme começa no meio da batalha final, com um documentário à Canal 100, mas já internético, e então recua um ano, quando apresenta os personagens principais.
São eles Johnny Rico (o "ator" Casper Van Dien), Carmen Ibanez (Denise Richards) e Dizzy Flores (Dina Meyer), mas pode chamá-los de Sorriso Colgate 1, Sorriso Colgate 2 e Sorriso Colgate 3 (o professor de atuação do trio deve ter sido Tony Little, fisicultor dos infomerciais de ginástica).
Sorriso 1 se apaixona por Sorriso 2, mas é amado por Sorriso 3. Sorriso 2 se alista, Sorriso 1 a segue, eis o pano de fundo, temperado por chavões de filmes de caserna ("Você mata tudo que tiver mais de duas pernas, entendeu?", "Inseto bom é inseto morto!" etc.).
Louve-se uma inovação no padrão "Sir, yes, sir!": soldados homens e soldados mulheres tomam banho juntos (uma recaída do Verhoeven de "Showgirls"?).
A mensagem
Se você não é geneticamente perfeito, além de bonito e forte, e não veste farda e enverga uma arma, o que está fazendo vivo?
"Tropas Estelares" é francamente fascista, embora Verhoeven jure de pés juntos que não era a intenção. Justifica-se citando Leni Riefenstahl. Não é bem assim.
Não há dúvida de que os insetos somos "nós" e que os soldados são "eles" -cabe um mundo nessa divisão. Nesse mundo perfeito, "cidadãos" são os soldados, "civis" são o peso morto da sociedade.
Entre vários "indícios" fascistas, estão a queda quase patológica que o diretor aparenta ter por mutilação e o papel que reserva a mutilados que ousaram sobreviver.
Ruim
Meio e mensagem, então, se confundem, a princípio semanticamente. O filme é tão ruim/malfeito que poderia ser definido como "Se Ed Wood tivesse US$ 100 milhões". Mas é por ser ruim/"do mal" que não conseguirá ser ruim/"cult", como Wood era.
Em "Tropas Estelares", o meio é a mensagem, e ambos fedem.

Filme: Tropas Estelares Produção: EUA, 1997 Direção: Paul Verhoeven Quando: estréia hoje, nos cines Cinearte 1, Morumbi 5 e circuito


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