São Paulo, Sábado, 27 de Fevereiro de 1999
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Festival Pan-Africano de Cinema e TV abre hoje em Burkina Fasso; mobilizações políticas devem marcar o evento
Festival tenta superar conflitos na África

LÚCIA NAGIB
enviada especial a Burkina Fasso

O Fespaco, Festival Pan-Africano de Cinema e Televisão de Uagadugu, em Burkina Fasso, abre hoje sua 16ª edição no momento em que completa 30 anos de idade.
Evento bienal, realizado nos anos ímpares, o festival, embora quase desconhecido no circuito do cinema mainstream, é o principal acontecimento cinematográfico do universo africano e negro em geral, alcançando dimensões comparáveis às do festival de Cannes.
A cada edição são cerca de 5.000 convidados, entre jornalistas e personalidades do mundo cinematográfico que invadem a pobre e poeirenta Uagadugu, capital de Burkina Fasso. Pode-se imaginar a metamorfose pela qual passa a cidade e mesmo o pequeno país, encravado no Sahel, ao sul do Saara, sem saída para o mar, com apenas um rio importante, o Volta, e uma economia essencialmente de subsistência.
O cinema parece se tornar o centro de todas as atividades locais já a partir da grandiosa abertura, realizada no estádio de futebol da cidade, com a presença de cerca de 20 mil espectadores, dentre os quais, segundo o costume, o próprio presidente da República, Blaise Compaoré.
Este, aliás, embora se declare socialista, surge em grande estilo, envergando luxuosos trajes típicos e seguido de sua entourage como um verdadeiro imperador.
Tem início então uma festa de dimensões inusitadas, em vários aspectos semelhante a um carnaval do cinema. Na abertura, apresentam-se conjuntos de música e dança da África inteira e, ao longo da semana, as ruas são tomadas por uma interminável feira de artesanato e por grupos de percussão e malabarismo.
Perto do encerramento, ocorre um tradicional desfile de modas no qual se apresentam as principais figuras do design negro.
É verdade que, este ano, as razões para alegria serão escassas.
O presidente Compaoré, no poder desde 1987 quando seu antecessor foi misteriosamente assassinado, causou indignação e violentos protestos de massa ao ser "reeleito", em dezembro último, num pleito em que somente o seu partido foi autorizado a concorrer.
No entanto, como afirmam as autoridades diplomáticas de Burkina Fasso, o Fespaco não pertence a um só país, mas a toda África, estando sua realização assegurada -embora mobilizações políticas tendam a ocorrer ao longo do evento.
A política, na verdade, está na raiz do Fespaco, que surgiu em 1969 como fruto direto dos movimentos de independência das antigas colônias européias.
Com ele afirmou-se também um cinema feito pelos próprios africanos, que até então praticamente não tinham tido acesso a uma câmera. Burkina Fasso -que, nas línguas dos povos mossi e dioula, predominantes no país, significa "terra dos homens íntegros"- é o nome que o antigo Alto Volta ganhou em 1984.
O Fespaco é competitivo e premia várias categorias de filmes, vídeos e produções televisivas. A obra vencedora da competição principal, compreendendo 20 filmes africanos (inclusive do Magrebe) de ficção, é agraciada com o troféu Garanhão Yennenga. Recebe também um prêmio em dinheiro que, desta vez, incluirá uma ajuda de 15 mil dólares como auxílio-distribuição, já que a tônica do festival será o incentivo à distribuição de filmes na África.
Nesta categoria, são vários os nomes famosos. O mais cotado deles é certamente o do diretor malinês Cheick Oumar Cissoko -já ganhador do Yennenga em 1995 com "Guimba"-, que finalmente apresenta seu tão esperado "A Gênese".
Primeira verdadeira superprodução da África subsaariana, o filme trabalha o tema bíblico da criação do mundo combinando três crenças básicas: a cristã, a judaica e a muçulmana.
A pretensão megalômana se estende ao cenário, que envolveu a contratação dos principais artistas e artesãos do Mali e a construção de uma cidade cenográfica inteira no desértico e belo país Dogon, ao norte do rio Níger. Dentre os protagonista, encontram-se ainda estrelas como o músico Salif Keita, no papel de Esaú.


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