São Paulo, Sábado, 27 de Fevereiro de 1999
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LIVRO - LANÇAMENTOS
"Jump for Joy" comemora 100 anos de Duke

GUGA STROETER
especial para a Folha

Foi lançado esta semana em Nova York o livro "Jump for Joy", concebido e editado pela instituição Jazz at Lincoln Center, como parte do ambicioso projeto de celebração do centenário do nascimento de Duke Ellington.
A edição de 162 páginas (US$ 25) contém entrevistas, depoimentos, fotos, ilustrações e artigos assinados por biógrafos, músicos e ensaístas do porte de Albert Murray, Ralph Ellison, Stanley Crouch, Eugene Holley Jr. e Richard O. Boyer.
A concepção do livro e de toda a série de eventos comemorativos tem como principais autores o trompetista Wynton Marsalis e o catedrático em jazz Rob Gibson.
Eles dirigem o "Jazz at Lincoln Center", o mais recente e ativo departamento da instituição Lincoln Center, usualmente voltada para o balé, a ópera e a música sinfônica.
O conteúdo do livro e o perfil da extensa programação de atividades indicam claramente que o objetivo de toda a equipe envolvida na realização dos eventos é cristalizar em caráter definitivo não apenas a idéia de que Duke Ellington foi o maior músico da história do jazz, mas alçá-lo à condição de maior compositor da história norte-americana.
A argumentação é convincente e nos chama a atenção para diversos aspectos da vida e da obra do autor. Rob Gibson, produtor-executivo e diretor do Jazz at Lincoln Center afirma que "Ellington capturou o som da América no século 20 melhor do que qualquer outro artista, e sua música continua a galvanizar e elevar o espírito humano. Compreender a fundo a trajetória artística de Duke é mergulhar nos aspectos mais criativos da música contemporânea".
Ellington, na sua adolescência (nos anos 10), começou como pianista de ragtime, estilo de transição entre a música de concerto e a música de dança popular dos salões do final do século 19.
Em seguida, agregou diversos instrumentos para formar uma orquestra que dirigiu até a sua morte, em 1974, e com a qual realizou uma pluralidade de estilos sem precedentes.
Nos anos 20 animou cabarés, nos anos 30 evoluiu para o swing, nos anos 40 começou a compor com pensamento sinfônico, nos anos 50 aproximou-se do cool jazz e da música de câmara, nos anos 60 criou música para liturgia religiosa e, para Marsalis, Duke "precedeu muitas coisas que acontecem hoje, como a world music. Sua música é expansiva".
Aliando seu carisma a uma enorme capacidade de trabalho, Ellington realizou quase tudo o que é possível de se fazer em música. Fez música para teatro, atuou e compôs trilhas para cinema, criou balés e sinfonias. Isso tudo ao mesmo tempo em que produzia canções radiofônicas e discos para dançar "cheek to cheek".
Gravou solos de piano, duetos, trios, quartetos, octetos e sempre foi aberto a trabalhar com músicos de todas as nações e gerações, desde Louis Armstrong, Mahalia Jackson e Maurice Chevalier, até os vanguardistas Charles Mingus e John Coltrane.
Ao passar pelo Brasil, nos anos 60, compôs um baião; ao passar pela Argentina, criou algo parecido com o tango. Viajando pela África e pela Ásia, criou melodias influenciadas por procedimentos regionais e étnicos.
Duke adaptou Tchaikovski e Grieg para o swing jazzístico. Ele foi capaz de realizar tudo isso depurando e expandindo sua personalidade artística, preservando a unidade expressiva de cada trabalho, sempre transbordando confiança, relaxamento e o amor a paisagens, estados de espírito, pessoas e principalmente a própria música, a quem chamava de "eterna amante".
No primeiro capítulo do livro "Jump for Joy", Wynton Marsalis afirma que "Duke não tinha medo de lidar com diferentes estilos de música, com diferentes motivos. Eu penso que a principal característica de Duke é o fato de sua música não temer nada. Sua música convida o espectador a entrar e participar nela. Ele trilhou o rumo oposto aos vários autores do século 20 que confundiram alienação e modernidade, tornando a música cada vez mais elitizada, mais distante do público. Isso é medo. Grande parte da produção do século 20 é baseada no medo -medo da rejeição da platéia, medo de não sobreviver à comparação com os grandes mestres do passado, medo de não ser inovador. Duke Ellington nunca foi vítima disso. Ele queria que sua música soasse bem sem se preocupar com grandes fórmulas teóricas e explicações fenomenais".
O próprio Ellington é bastante claro a esse respeito em um depoimento seu de 1959 que também consta do "Jump for Joy": "Eu não quero me sentir obrigado a tocar algo no mesmo estilo ao qual fui identificado em algum período específico. Não tenho ambição de atingir um patamar intelectual para olhar o público de cima. E também não quero que ninguém conteste meu direito de tocar algo que soe completamente louco como o grunhido de um selvagem, não quero ser contestado por criar uma canção que louve a Deus. Quero a liberdade de expressão e a comunicação com o público".
Uma outra peculiaridade que confere a Duke o status de "herói americano" é o fato de ter viajado por todos os EUA inúmeras vezes, de carro, de trem, de ônibus, em épocas distintas. Poucos artistas trabalharam tanto e de forma tão disparatada: na mesma semana, ele poderia tocar num restaurante, num salão de bailes do interior e ser homenageado pelo presidente na Casa Branca. Seu hábito de compor "on the road", no vagão "pullman", no quarto de hotel, sobre a mesa de um café; tomando por inspiração pessoas, situações e paisagens; fizeram da obra de Duke uma sofisticada crônica musical dos EUA.
Para o escritor Stanley Crouch, "uma das mais importantes aquisições da música de Duke Ellington é a expressão épica do "american feeling". Em suas evocações, Ellington comprova que, por meio da exploração autêntica da especificidade, o artista pode alcançar a universalidade... A música de Ellington contém muitas características da nação: o diálogo complexo entre o indivíduo e a comunidade, os percalços da realização plena versus o conflito da simples subsistência. Podemos ouvir as rochas, o vidro, o aço, podemos ver edifícios e paisagens bucólicas. Nenhuma outra música capturou tão profundamente a vitalidade e a amarga doçura da existência moderna".
Em diversos trechos do livro a música de Duke é comparada a Bach, Beethoven. E todos concordam que seu trabalho ainda é uma obra em aberto, que merece investigações e um trabalho de desenvolvimento, pois a gama de perspectivas musicais propostas por Ellington são indicações de um caminho que hoje tornou-se um legado e uma incumbência para as novas gerações de músicos em todo o mundo.


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