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MEMÓRIA
Principal historiador da Inconfidência Mineira alerta sobre o perigo da insinuação de comparação entre Itamar Franco e Silvério dos Reis
FHC pode estar brincando com fogo, diz Maxwell
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
O personagem histórico da semana, Joaquim Silvério dos Reis,
não se saiu tão bem na vida quanto
a maioria dos brasileiros imagina.
A denúncia que fez da Inconfidência Mineira lhe rendeu vantagens materiais, mas nem tantas: ele
foi obrigado a pagar as suas dívidas
com o fisco português, além de ter
batalhado durante 15 anos até receber alguma recompensa.
Além disso, a traição tornou sua
vida inviável em Minas Gerais e no
Rio e ele foi obrigado a passar os
seus últimos anos no Maranhão.
Silvério dos Reis saiu do relativo
anonimato dos livros de história
do Brasil para as primeiras páginas
dos jornais porque o presidente
Fernando Henrique Cardoso insinuou que o governador de Minas,
Itamar Franco, age de acordo com
seu modelo moral.
FHC pode estar brincando com
fogo, alerta o principal historiador
da Inconfidência, Kenneth Maxwell, 58, britânico radicado nos
EUA, expoente do primeiro time
da "colônia brasilianista".
"Não posso imaginar insulto
mais profundo para um mineiro",
disse Maxwell à Folha, por telefone. "Reavivar essas memórias históricas pode ser muito perigoso."
Joaquim Silvério dos Reis, ao
contrário da maioria dos inconfidentes, era português de nascimento. Assim, da ótica de Portugal, ele pode ser visto como herói;
traidores, dessa perspectiva, eram
Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Tiradentes e os outros que lutavam pela secessão.
Mas Maxwell, autor do clássico
"A Devassa da Devassa", sobre a
Inconfidência, acha que Silvério
dos Reis não foi movido por interesses patrióticos, mas por razões
apenas egoístas e financeiras.
Silvério dos Reis chegou a conspirar com os inconfidentes. Resolveu denunciá-los em troca de perdão para as dívidas que ele, como
muitos residentes de Minas naquele tempo (segunda metade do século 18), tinha com o Tesouro.
Falou com o visconde de Barbacena, governador de Minas, que o
mandou ao Rio para tratar com o
vice-rei Luís de Vasconcelos e Souza. Depois de ter ouvido a denúncia, o vice-rei colocou Silvério dos
Reis na cadeia por um tempo.
Foi solto porque o vice-rei se deu
conta de que mantê-lo preso desestimularia outras confissões.
Mas, como os demais inconfidentes, Silvério dos Reis perdeu todas as suas propriedades. De 1792,
quando acabou o processo contra
os inconfidentes, até 1807, ele ficou
no Rio, apelando a Lisboa para receber a recompensa pela traição.
A persistência venceu, em parte.
Suas propriedades lhe foram devolvidas, mas as dívidas não foram
perdoadas. Ele teve de pagá-las.
Àquela altura, ele havia se tornado um aborrecimento para as autoridades coloniais e um pária entre os brasileiros. Por isso, resolveu
se mudar para longe, Maranhão,
onde morreria em 1819.
Não foi só ele quem agiu por razões econômicas no episódio da
Inconfidência. Maxwell foi o primeiro historiador a mostrar que,
além dos ideais libertários, existia
uma outra ordem de interesses,
práticos, materiais, que fez os inconfidentes planejar a revolta.
Assim como FHC não foi o único
a invocar esses episódios históricos nos atuais debates políticos.
Itamar Franco se comparou a Tiradentes em várias ocasiões.
O qual, aliás, não foi o líder do
movimento, como muitos supõem; foi apenas quem recebeu a
punição mais exemplar, talvez por
ter sido o único a assumir inteira
responsabilidade pelo levante, talvez por ter sido o que dispunha de
menos recursos econômicos e de
menos padrinhos influentes.
Afinal, em matéria de traição, tudo é relativo. Como dizia o satirista
inglês John Harrigton, "a traição
nunca prospera mesmo porque, se
prosperar, ninguém se atreverá a
chamá-la de tal".
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