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ESCRITORES URBANOS
Pedinte tira literatura de caneta com crack
MARCELO DIEGO
de Nova York
Doze anos vivendo nas ruas, comendo o que encontrasse, vestindo o que os outros davam e fumando muito crack. Até que, num estalo, tomou gosto pelas letras, passou a escrever em um jornal para
sem-tetos e criou "Grand Central
Winter", um livro aclamado pela
crítica e sucesso de público. A trajetória do escritor Lee Stringer pode ser resumida assim.
O "antes" de sua vida serve como
preparatório para o inferno em
que entraria. Trabalhava para pagar as contas. Vivia com seu irmão,
que morreu vítima de um mal súbito e problemas cardíacos. Jogou
a carreira para o ar e mergulhou
nas drogas.
Viveu nas ruas de Nova York, fumando crack e dormindo onde podia. No inverno ("winter"), se escondia da polícia e dormia na
Grand Central, a maior estação de
metrô da cidade, aberta 24 horas e
com aquecimento.
Para escapar da polícia, levava as
pedras de crack dentro de caneta
esferográfica. Um dia, sob o efeito
da droga, pegou a caneta e começou a rabiscar algumas palavras
em um velho papel de jornal.
Quando o efeito do crack passou,
não entendeu o que tinha escrito.
Resolveu refazer tudo, mas sóbrio.
Tomou gosto e procurou um
amigo, a quem mostrou seu trabalho -um relato de um dia na vida
de um sem-teto.
Seu amigo o indicou para trabalhar no "Street News" ("Notícias
da Rua"), um jornal feito por sem-tetos de Nova York. Em três anos,
virou editor. Largou as drogas, ganhou amigos e escreveu seu livro.
Aos 47 anos, Stringer recebeu a
Folha para falar sobre sua vida e
seu livro, que deve ganhar uma
versão em português neste ano.
Surpreso, diz que não esperava
tanta repercussão. "Fico honrado
em saber que as pessoas do Brasil
podem se interessar por minha
história", diz.
O livro "Grand Central Winter"
pode ser encontrado pela internet
e é publicado pela editora Seven
Stories Press.
Folha - O senhor começou a escrever por acaso...
Lee Stringer - Por uma fonte de
inspiração. Divina? Não sei. Mas
me ajudou a manter a consciência.
Brinco que troquei uma droga (o
crack) por outra (o ato de escrever).
Folha - O senhor se lembra o que
o levou a escrever?
Stringer - Tinha medo de deixar
meu lugar no metrô. Eu dormia lá
no inverno. No verão é fácil, você
se encosta em qualquer lugar. Mas
o frio é complicado. Eu não queria
sair, mas ficava angustiado, precisava passar o tempo. Eu tinha essa
caneta, onde carregava o crack. Era
a única função dela, até que descobri a coisa mais básica: uma caneta
serve para escrever. E escrevi. Sobre o que eu sentia, sobre minhas
alucinações, meus medos. Escrevi
de novo, mas sóbrio, e levei para
um antigo amigo meu, que sempre
tentava me ajudar. Ele disse ter
gostado e me apresentou para o
pessoal que fazia o "Street News".
Folha - E por que a decisão de escrever um livro?
Stringer - Poderia te dar centenas
de respostas, mas a verdade é que
eu simplesmente quis fazer, é meu
temperamento. Eu não sabia o que
estava fazendo, como em várias fases da minha vida. Por que fui para
a rua? Por que comecei a fumar?
Não tenho respostas. Fiz porque
fiz. O livro foi assim também.
Folha - Como o senhor descreve
seus 12 anos nas ruas?
Stringer - Com uma comparação.
Com certeza foi um pesadelo, mas
quando eu estava lá parecia apenas
um sonho. Meu destino era certo, a
morte.
Folha - O senhor esperava repercussão tão grande do seu livro?
Stringer - As pessoas dizem que
eu sou famoso agora. Isso alimenta
meu ego. Não esperava, mas é gostoso. O retorno financeiro não é
tão importante quanto saber que
as pessoas querem saber o que
aconteceu. Fico honrado em saber,
por exemplo, que as pessoas do
Brasil podem se interessar por minha história. Minha editora disse
que o livro será publicado em português neste ano.
Folha - Quais os planos para o futuro?
Stringer - Estou trabalhando em
dois novos livros, um romance e
uma ficção, mas ainda não posso
dar muitos detalhes.
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