São Paulo, Sábado, 27 de Fevereiro de 1999
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ESCRITORES URBANOS
Pedinte tira literatura de caneta com crack

MARCELO DIEGO
de Nova York

Doze anos vivendo nas ruas, comendo o que encontrasse, vestindo o que os outros davam e fumando muito crack. Até que, num estalo, tomou gosto pelas letras, passou a escrever em um jornal para sem-tetos e criou "Grand Central Winter", um livro aclamado pela crítica e sucesso de público. A trajetória do escritor Lee Stringer pode ser resumida assim.
O "antes" de sua vida serve como preparatório para o inferno em que entraria. Trabalhava para pagar as contas. Vivia com seu irmão, que morreu vítima de um mal súbito e problemas cardíacos. Jogou a carreira para o ar e mergulhou nas drogas.
Viveu nas ruas de Nova York, fumando crack e dormindo onde podia. No inverno ("winter"), se escondia da polícia e dormia na Grand Central, a maior estação de metrô da cidade, aberta 24 horas e com aquecimento.
Para escapar da polícia, levava as pedras de crack dentro de caneta esferográfica. Um dia, sob o efeito da droga, pegou a caneta e começou a rabiscar algumas palavras em um velho papel de jornal. Quando o efeito do crack passou, não entendeu o que tinha escrito. Resolveu refazer tudo, mas sóbrio.
Tomou gosto e procurou um amigo, a quem mostrou seu trabalho -um relato de um dia na vida de um sem-teto.
Seu amigo o indicou para trabalhar no "Street News" ("Notícias da Rua"), um jornal feito por sem-tetos de Nova York. Em três anos, virou editor. Largou as drogas, ganhou amigos e escreveu seu livro.
Aos 47 anos, Stringer recebeu a Folha para falar sobre sua vida e seu livro, que deve ganhar uma versão em português neste ano.
Surpreso, diz que não esperava tanta repercussão. "Fico honrado em saber que as pessoas do Brasil podem se interessar por minha história", diz.
O livro "Grand Central Winter" pode ser encontrado pela internet e é publicado pela editora Seven Stories Press.

Folha - O senhor começou a escrever por acaso...
Lee Stringer -
Por uma fonte de inspiração. Divina? Não sei. Mas me ajudou a manter a consciência. Brinco que troquei uma droga (o crack) por outra (o ato de escrever).
Folha - O senhor se lembra o que o levou a escrever?
Stringer -
Tinha medo de deixar meu lugar no metrô. Eu dormia lá no inverno. No verão é fácil, você se encosta em qualquer lugar. Mas o frio é complicado. Eu não queria sair, mas ficava angustiado, precisava passar o tempo. Eu tinha essa caneta, onde carregava o crack. Era a única função dela, até que descobri a coisa mais básica: uma caneta serve para escrever. E escrevi. Sobre o que eu sentia, sobre minhas alucinações, meus medos. Escrevi de novo, mas sóbrio, e levei para um antigo amigo meu, que sempre tentava me ajudar. Ele disse ter gostado e me apresentou para o pessoal que fazia o "Street News".
Folha - E por que a decisão de escrever um livro?
Stringer -
Poderia te dar centenas de respostas, mas a verdade é que eu simplesmente quis fazer, é meu temperamento. Eu não sabia o que estava fazendo, como em várias fases da minha vida. Por que fui para a rua? Por que comecei a fumar? Não tenho respostas. Fiz porque fiz. O livro foi assim também.
Folha - Como o senhor descreve seus 12 anos nas ruas?
Stringer -
Com uma comparação. Com certeza foi um pesadelo, mas quando eu estava lá parecia apenas um sonho. Meu destino era certo, a morte.
Folha - O senhor esperava repercussão tão grande do seu livro?
Stringer -
As pessoas dizem que eu sou famoso agora. Isso alimenta meu ego. Não esperava, mas é gostoso. O retorno financeiro não é tão importante quanto saber que as pessoas querem saber o que aconteceu. Fico honrado em saber, por exemplo, que as pessoas do Brasil podem se interessar por minha história. Minha editora disse que o livro será publicado em português neste ano.
Folha - Quais os planos para o futuro?
Stringer -
Estou trabalhando em dois novos livros, um romance e uma ficção, mas ainda não posso dar muitos detalhes.


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