São Paulo, quinta, 27 de março de 1997.

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Cineasta francês, que presidirá o júri do 2º Festival de Documentários `É Tudo Verdade', faz palestra no auditório da Folha no próximo dia 10; em entrevista ao jornal, fala sobre seu cinema, o futuro e a injustiça econômica do mundo, tema de seu próximo trabalho
Ophuls filma a miséria global

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

Acreditando que o homem é aluno da história, o cineasta Marcel Ophuls -que desembarca no Brasil na próxima semana- ofereceu ao mundo, e especialmente aos franceses, uma lição inesquecível.
Convidado da Folha e do 2º Festival Internacional de Documentários "É Tudo Verdade" (em que presidirá o júri e terá uma mostra de seus filmes), Ophuls é o diretor de ``A Dor e a Compaixão'' (1971) e ``Hotel Terminus'' (1988).
Esses são apenas dois de seus muitos trabalhos que serviram para rememorar o vergonhoso papel da França, e de outros países europeus, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Em seus documentários -por vezes com mais de três horas de duração-, Marcel, 70, filho do diretor alemão Max Ophuls (1902- 1957), já discutiu a história dos franceses que colaboraram com o nazismo, o holocausto e os recentes conflitos na ex-Iugoslávia.
O diretor fará duas palestras durante sua passagem pelo festival. A primeira, no dia 6, no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio). A segunda, no dia 10, no auditório da Folha. Apesar do tom solene de sua obra, como disse à Folha na última segunda-feira, por telefone, da França, seu desejo era dirigir comédias.

Folha - Depois de ``Os Problemas Que Temos Visto'' (1994), o sr. declarou que seria o fim de seus longos documentários. Podemos esperar por outro formato?
Marcel Ophuls -
É verdade, eu disse isso. Mas... O filme mais curto que já fiz em minha vida tinha nove minutos. Mas isso foi em minha juventude. Talvez quando ficamos mais velhos temos uma necessidade maior de `volume'.
Penso que tudo depende da relação entre a forma e o conteúdo. Na ficção a tarefa é extrair algo do que já está no roteiro, porque de certa maneira o cinema descende do teatro e de qualquer outra forma dramática de narrativa.
Quando Alfred Hitchcock realizava um filme, ele tomava muito cuidado com esse aspecto. ``Intriga Internacional'' tem 2h10 de duração, mas muitas pessoas nem chegam a notar isso.
Há filmes de Steven Spielberg com três horas e assim é também ``...E o Vento Levou''. A razão de documentaristas como eu realizarem filmes tão longos é que nosso material está estreitamente ligado à realidade, e nós não temos a possibilidade de condensação.
Temos que fazer com que as pessoas mostradas na tela, com seu passado e histórias, sejam entendidas pelo público também de uma forma dramática.
Nós todos estamos no mesmo negócio, o show. Logo, trabalhando com atores temos que fazer com que se tornem pessoas reais na tela. Com pessoas comuns, elas se tornam reais por suas narrativas. Isso toma bem mais tempo.
Folha - Em sua opinião, o público entende ``A Lista de Schindler'' (1993) como verdade?
Ophuls -
Penso que o trabalho de Spielberg é mais fácil do que o meu. Não importa o quanto o respeite, mas o fato é que o trabalho dele é mais fácil.
Mas estamos em um mesmo território. Nossa tarefa consiste em tentar cativar o público com todos os meios disponíveis.
O trabalho é o mesmo. Não estou muito certo se um ou outro possui o dom de chegar mais perto da verdade. Eu não sou exatamente um fã de Steven Spielberg, mas penso que ``A Lista de Schindler'' é muito bem realizado e tenta se aproximar da verdade do holocausto.
Eu diria que não importa se trabalhamos em documentários ou Hollywood: com milhões ou migalhas nem um de nós conseguirá captar `a verdade'.
Folha - O sr. se prepara agora para filmar um sucesso editorial francês, ``L'Horreur Économique", de Viviane Forrester, um livro sobre o futuro econômico do mundo.
Ophuls -
O livro é sobre economia, mas na verdade seu tema é a globalização. A miséria na Terra. É um sucesso, porque apela para a emoção das pessoas.
É um livro lírico sobre a inacreditável miséria e injustiça no mundo, sobre a exploração do homem pelo homem. A autora não é marxista e usa citações de Rimbaud para nos falar de Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
Folha - O projeto é um sintoma de suas preocupações com a globalização, a situação da França hoje -a extrema direita que ganha força- ou as duas coisas?
Ophuls -
Os dois. Eu acho que a situação da França hoje é apenas um reflexo da irresponsabilidade em deixar nossas vidas e destinos nas mãos de pessoas que não podem realizar a tarefa.
Folha - Em ``Hotel Terminus'' ou ``A Dor e a Compaixão'', o sr. procurava o passado. Agora, o futuro?
Ophuls -
Eu tento mostrar em meus filmes que não há muita diferença entre passado, presente e futuro. Fiz um filme em Sarajevo, sobre uma guerra do presente, e isso é também um tema do passado e do futuro. Quando garotos nas escolas norte-americanas usam tênis Nike, há pessoas em outro lugar do mundo fabricando esses tênis por um valor desprezível, um valor tão baixo que as mesmas pessoas que fabricam -os operários- não podem usá-los. Isso não é o futuro, é o presente e o passado.
Folha - Depois dos trabalhos de ficção, no início dos anos 60, o sr. realizou apenas documentários. Não haverá retorno?
Ophuls -
Existe uma expressão norte-americana que diz ser necessário dois para o tango. Amaria ter passado minha vida filmando comédias. Mas a verdade é que eu não danço, e isso não é uma questão de escolha, mas de necessidade. Sou apenas um cineasta que tenta sobreviver em sua profissão.


O cineasta Marcel Ophuls vem ao Brasil em promoção da Folha, do ``2º Festival Internacional de Documentários'' e apoio dos hotéis Caesar Park Ipanema e Caesar Park São Paulo.

Evento: ``2º Festival Internacional de Documentários `É Tudo Verdade''' Quando: de 4 a 13 de abril no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio) e de 7 a 13 no Cinesesc e Centro Cultural São Paulo (São Paulo) Quanto: entrada franca; reservas para a palestra em São Paulo devem ser feitas a partir do dia 7 (tel. 011/224-3473)
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