São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 2000


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DOCUMENTÁRIO

Músicos recusam filiação exclusiva à Tropicália em panorama da MPB fim-de-século

Filme divide "filhos do tropicalismo"

ANTONIO CARLOS DE FARIA
da Sucursal do Rio

Mostrar um panorama da música popular brasileira do final do século é o objetivo de um documentário que a VideoFilmes começou a gravar na semana passada e que estreará em Paris, em maio. Por resistência de parte dos artistas convidados em se enquadrarem como herdeiros do tropicalismo, o documentário permanece sem título.
Inicialmente, o filme iria se chamar "Os Filhos do Tropicalismo". Agora, seus produtores procuram um novo nome para a obra, que parte da percepção de que a música popular brasileira reconquistou nesta década o lugar de destaque que havia perdido nos anos 80 para o rock nacional.
Anteontem, no MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio, a instalação "Tropicália", de Hélio Oiticica, foi montada especialmente para o filme. Foi usada como ambiente para depoimentos e performances de Gilberto Gil, Chico César e Caetano Veloso.
Lenine, Fernanda Abreu, Jovi, Pedro Luiz e os integrantes do grupo A Parede se apresentaram nos jardins do MAM, longe da instalação, obra de 1967 que deu origem ao nome do movimento.
O distanciamento desses artistas em relação ao cenário das gravações sintetizou a recusa em ser reconhecidos como filhos de uma única linhagem musical, enfatizando que o trabalho que desenvolvem é fruto de múltiplas influências.
Gil e Caetano afirmaram que um dos méritos do tropicalismo foi a pluralidade, o que abriu espaços dentro da cultura nacional, inclusive para quem hoje não se vê como herdeiro do movimento.
"Nós não criamos um estilo musical, mas uma atitude pluralista. Hoje, vejo que a música do país tem várias atitudes, situação para a qual contribuiu a inserção do tropicalismo", disse Gil.
"O tropicalismo é o avesso da sofisticação da bossa nova. Tudo o que ela rejeitou o tropicalismo abraçou, o que incluiu a música de mau gosto, o brega, o rock, a jovem guarda, a violência das palavras e das imagens", disse Caetano, instigado a dar uma definição concisa para o movimento.
A idéia de realizar um registro da música nacional a partir dos anos do movimento tropicalista foi do produtor musical francês Bruno Boulay, um dos maiores difusores dos novos músicos brasileiros no exterior.
Rogério Gallo, diretor do documentário, reconhecido pela implantação da MTV brasileira, acha positivo o clima de debate sobre a participação dos artistas.
"Queremos fazer um trabalho documental que reproduza a atitude do tropicalismo, mas não retratar toda a música popular atual como filha do tropicalismo", afirmou. Além do Rio, haverá também depoimentos de artistas em São Paulo, Recife e Salvador.
Um dos pontos altos das gravações no Rio foi o depoimento de Caetano logo após percorrer a instalação. Ele lembrou que Oiticica apoiou os tropicalistas no início do movimento, mas depois se desiludiu com seus integrantes, quando os viu se incorporar à música comercial do país.
"Os garotos que hoje demonstram um certo desprezo e irritação, quando se fala em Caetano e Gil, fazem bem e isso é até desejável", disse Caetano, para quem o comportamento é próximo ao inconformismo de Oiticica, que viveu no "limite do suportável, para ele e para o mundo".
Caetano fez um elogio apaixonado a Tom Zé. "A obra e a vida profissional de Tom Zé podem ser vistas como uma crítica muda a essa adequação em que nós (os outros tropicalistas) estamos."


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