São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"CLARICE LISPECTOR"

Psicóloga deixa lendas de lado e concentra sua análise em quatro romances-chave da escritora

Estudo enfeixa os vários caminhos da poeta

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Numa época em que a prosa de ficção brasileira parece reduzida, seja a uma literatura de testemunho ou "denúncia", seja às fórmulas do entretenimento fácil, nada melhor do que mergulhar na obra de uma escritora que via seu ofício como exploração de territórios desconhecidos do espírito humano e que, por conta dessa procura, violentou e ampliou os limites da linguagem narrativa.
O breve "Clarice Lispector", da psicóloga e professora de literatura da USP Yudith Rosenbaum, é uma espécie de visita monitorada a essa obra singular.
Embora o livro faça parte da coleção "Folha Explica", da Publifolha, sua autora declara logo na introdução que não vai tratar de "explicar Clarice", e sim de "rastrear algumas linhas de força que marcam sua obra".
Para apresentar esse rastreamento num espaço tão exíguo, Yudith Rosenbaum tomou algumas sábias decisões. A primeira delas foi não perder muito tempo com o folclore em torno da escritora: as anedotas, a sedução, o mistério, a bruxaria.
Só entram no livro os elementos biográficos essenciais para a compreensão da obra de Clarice. Em essência, sua crônica condição de estrangeira e nômade (nascida na Ucrânia, passou a infância no Nordeste, a juventude no Rio e, casada com um diplomata, morou em muitos países).
Outra opção acertada da estudiosa foi a de concentrar seu exame em algumas obras-chaves da autora.
Deteve-se, por exemplo, em quatro de seus nove romances -"Perto do Coração Selvagem", "A Paixão Segundo G.H.", "Água Viva" e "A Hora da Estrela"-, embora comente rapidamente todos os outros.
Nos capítulos referentes aos livros de contos, Yudith Rosenbaum destaca "Laços de Família", "A Legião Estrangeira" e "A Via Crucis do Corpo", que, mesmo sendo atípico e realizado por encomenda (ou até por causa disso), acaba revelando aspectos centrais da personalidade literária de Clarice Lispector.
Por se tratar de uma abordagem concisa e introdutória, a pesquisadora não pretendeu revelar nenhuma novidade radical a respeito de seu objeto. Em vez disso, realizou uma excelente sistematização daquilo que de melhor já se pensou sobre a obra clariciana.
Dos ensaios pioneiros de Antonio Candido e Álvaro Lins, que tentaram no calor da hora situar o fenômeno Clarice no contexto da literatura brasileira, às aproximações de sua literatura com o existencialismo (operadas por Benedito Nunes), passando pelo "approach" feminista de Hélène Cixous, todas as principais viagens propiciadas pela obra da escritora estão sumariamente roteirizadas no livrinho.
Um lugar de destaque nesse conjunto de diálogos e interpretações cabe, obviamente, a especialistas muito próximas de Clarice: Olga Borelli e Nádia Gotlib.
Em consequência dessa visada abrangente, não é deixado de lado nenhum dos ângulos sob os quais a literatura da autora pode ser observada: o formal, o filosófico, o psicanalítico, o místico.
Na verdade, Yudith Rosenbaum nos mostra discretamente que todos esses planos se entrelaçam de modo inextricável na escrita de Clarice Lispector.
O mérito maior desse guia de leitura é o de mostrar como as inquietações morais e filosóficas da escritora -seu anseio infinito e vão de atingir o coração selvagem da vida- se traduzem numa linguagem que se questiona e se reinventa a cada página.
Afinal, mais que uma mulher misteriosa e cativante, Clarice foi uma tremenda escritora.


Folha Explica Clarice Lispector     
Autora: Yudith Rosenbaum
Editora: Publifolha (Coleção Folha Explica)
Quanto: R$ 9,90 (111 págs.)




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