São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2001

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TEATRO
"Ator e Estranhamento", de Eraldo Pêra Rizzo, chega às lojas esta semana Livro revela papel de Kusnet em dilema da interpretação

Livro revela papel de Kusnet em dilema de interpretação

FERNANDO MARQUES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma das mais duradouras polêmicas teatrais no século 20 opôs a interpretação com base nas emoções e na identificação entre ator e personagem à interpretação crítica, avessa ao envolvimento do artista com os sentimentos da figura que representa. Tempo e esforço foram gastos, mas com o que hoje parece ser um falso problema.
O ator, diretor e professor Eraldo Pêra Rizzo trata do assunto em "Ator e Estranhamento - Brecht e Stanislavski, segundo Kusnet", que chega às lojas esta semana. Sem deixar de sublinhar diferenças, ressalta as afinidades entre o russo Konstantin Stanislavski e o alemão Bertolt Brecht ao abordar o papel do sentimento e o da razão no desenho dos personagens.
As tendências dos mestres acham "a síntese possível" nos ensinamentos do ator russo Eugênio Kusnet (1898-1975), que emigrou ao Brasil em 1926. Kusnet soube traduzir as lições stanislavskianas aplicando-as à interpretação de grandes peças de Brecht. Mal-entendidos a respeito de Stanislavski podem ter origem na defasagem com que foram publicados três de seus livros mais importantes, divulgados com distância de mais de dez anos entre um e outro. A recepção norte-americana fixou-se na primeira fase, que enfatiza o trabalho do ator sobre as próprias emoções.
Mas Stanislavski não se deteve nessa fase, ao contrário do que pretenderam os mentores do Actors Studio, na Nova York dos anos 50. Se, no primeiro livro, ele "se atém mais às ações internas, pensamentos e visualizações" operadas pelo ator, nos seguintes irá tratar da fala e do movimento, chegando ao conceito de ações físicas e ao método da análise ativa.
O mestre russo prescreve procedimentos pelos quais o intérprete se apropria aos poucos do texto, sempre a partir de ações concretas: "A emoção é decorrência", diz Rizzo com apoio em Kusnet.
Brecht contribuiu para confusões em torno do efeito de estranhamento obtido quando o ator critica o personagem, emprestando-lhe sua consciência. Teórico pouco sistemático, Brecht usou idéias como armas retóricas, destinadas à polêmica. A ênfase atribuída por ele à necessária lucidez do ator não visava descartar as emoções. Kusnet reuniu os passos recomendados pelo conterrâneo aos propósitos críticos de peças como "A Alma Boa de Setsuan", de Brecht. A emoção passa a ser ponto de chegada no trabalho do intérprete.


Fernando Marques é jornalista, professor do Centro Universitário de Brasília e mestre em literatura brasileira pela UnB



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