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RODAPÉ
A galáxia concreta e o buraco negro da crítica
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Poesia Concreta Brasileira
- As Vanguardas na Encruzilhada Modernista" é a primeira
leitura sistemática do último movimento vanguardista surgido no
Brasil. E o fato de ter sido escrito
pelo argentino Gonzalo Aguilar
demonstra até que ponto a recepção do concretismo ainda é um
buraco negro da crítica.
A ausência de trabalhos de fôlego tem razões objetivas: seus três
principais criadores -Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos- foram, além
de poetas, ensaístas responsáveis
pela esmagadora maioria dos textos sobre o movimento; além disso, mesmo que se diga que o concretismo já não existe como programa estético há três décadas,
eles continuaram produzindo e
polemizando a partir de seus
pressupostos.
Com a morte de Haroldo em
2003, de algum modo esse ciclo
começa a se completar, permitindo o balanço proposto por Aguilar. Por sua ambição e abrangência, o livro ainda merece avaliação
aprofundada. Mas já se pode dizer que, ao lado de "Sobre Augusto de Campos" (7 Letras/Fundação Casa de Rui Barbosa), é a
maior obra de referência sobre o
tema.
Seu único defeito é circunscrever a trajetória do movimento
àqueles três poetas. Ficam de lado
nomes como Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo ou José Lino Grünewald -que, embora tenham participado apenas das etapas iniciais
do concretismo, mereceriam entrar nos densos ensaios de anatomia poética que compõem as seções finais do livro.
Em compensação, Aguilar empreende nas partes iniciais uma
análise que se afasta bastante da
auto-imagem forjada pelo ensaísmo concretista. Partindo da noção de "ideologema" empregada
por Beatriz Sarlo, Aguilar mostra
que a evolução do movimento
corresponde a estratégias de afirmação que, por sua vez, acompanham o processo de dissolução da
idéia modernista de vanguarda.
Na década de 1950, eles ainda
enxergam a evolução modernista
como fatalidade histórica; a associação da poesia às linguagens
não-verbais e ao "design" industrial revelaria uma acomodação
da imagem do intelectual, visto
"mais como um partícipe do que
como um ator crítico do processo
de modernização".
Com a ebulição dos anos 60,
procura-se dar ao isomorfismo da
poesia concreta (a identificação
entre conteúdo e forma) um sentido político. Mas o "salto participante" proposto por Pignatari na
esteira de Maiakóvski ("sem forma revolucionária não há arte revolucionária") não passaria da
"colisão entre os paradigmas do
modernismo e da experiência política". Para Aguilar, a intervenção
mais efetiva da poesia concreta
ocorreria de forma indireta, no
diálogo com o tropicalismo, que
se apropria da tradição popular e
da lógica do consumo de forma
não-mimética (ao contrário do
realismo da "arte engajada").
Em alguns momentos do livro,
a tropicália se sobrepõe à galáxia
concreta -ambos aparecendo
como última possibilidade de
anexar territórios poéticos antes
que a política decretasse o fim das
utopias vanguardistas e da euforia
em relação às tecnologias que
continuam a reproduzir a geléia
geral brasileira.
Manuel da Costa Pinto escreve quinzenalmente neste espaço
Poesia Concreta Brasileira
Autor: Gonzalo Aguilar
Tradução: Regina Aida Crespo, Rodolfo
Mata, Gênese Andrade
Editora: Edusp
Quanto: R$ 75 (408 págs.)
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