São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2005

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RODAPÉ

A galáxia concreta e o buraco negro da crítica

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Poesia Concreta Brasileira - As Vanguardas na Encruzilhada Modernista" é a primeira leitura sistemática do último movimento vanguardista surgido no Brasil. E o fato de ter sido escrito pelo argentino Gonzalo Aguilar demonstra até que ponto a recepção do concretismo ainda é um buraco negro da crítica.
A ausência de trabalhos de fôlego tem razões objetivas: seus três principais criadores -Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos- foram, além de poetas, ensaístas responsáveis pela esmagadora maioria dos textos sobre o movimento; além disso, mesmo que se diga que o concretismo já não existe como programa estético há três décadas, eles continuaram produzindo e polemizando a partir de seus pressupostos.
Com a morte de Haroldo em 2003, de algum modo esse ciclo começa a se completar, permitindo o balanço proposto por Aguilar. Por sua ambição e abrangência, o livro ainda merece avaliação aprofundada. Mas já se pode dizer que, ao lado de "Sobre Augusto de Campos" (7 Letras/Fundação Casa de Rui Barbosa), é a maior obra de referência sobre o tema.
Seu único defeito é circunscrever a trajetória do movimento àqueles três poetas. Ficam de lado nomes como Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo ou José Lino Grünewald -que, embora tenham participado apenas das etapas iniciais do concretismo, mereceriam entrar nos densos ensaios de anatomia poética que compõem as seções finais do livro.
Em compensação, Aguilar empreende nas partes iniciais uma análise que se afasta bastante da auto-imagem forjada pelo ensaísmo concretista. Partindo da noção de "ideologema" empregada por Beatriz Sarlo, Aguilar mostra que a evolução do movimento corresponde a estratégias de afirmação que, por sua vez, acompanham o processo de dissolução da idéia modernista de vanguarda.
Na década de 1950, eles ainda enxergam a evolução modernista como fatalidade histórica; a associação da poesia às linguagens não-verbais e ao "design" industrial revelaria uma acomodação da imagem do intelectual, visto "mais como um partícipe do que como um ator crítico do processo de modernização".
Com a ebulição dos anos 60, procura-se dar ao isomorfismo da poesia concreta (a identificação entre conteúdo e forma) um sentido político. Mas o "salto participante" proposto por Pignatari na esteira de Maiakóvski ("sem forma revolucionária não há arte revolucionária") não passaria da "colisão entre os paradigmas do modernismo e da experiência política". Para Aguilar, a intervenção mais efetiva da poesia concreta ocorreria de forma indireta, no diálogo com o tropicalismo, que se apropria da tradição popular e da lógica do consumo de forma não-mimética (ao contrário do realismo da "arte engajada").
Em alguns momentos do livro, a tropicália se sobrepõe à galáxia concreta -ambos aparecendo como última possibilidade de anexar territórios poéticos antes que a política decretasse o fim das utopias vanguardistas e da euforia em relação às tecnologias que continuam a reproduzir a geléia geral brasileira.


Manuel da Costa Pinto escreve quinzenalmente neste espaço

Poesia Concreta Brasileira
    
Autor: Gonzalo Aguilar
Tradução: Regina Aida Crespo, Rodolfo Mata, Gênese Andrade
Editora: Edusp
Quanto: R$ 75 (408 págs.)


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