São Paulo, quinta-feira, 27 de agosto de 2009

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COMIDA

Mandiga de cheiro

Usadas como perfumes e remédios populares, sementes como o cumaru e a amburana ganham uso culinário

Eduardo Knapp/Folha Imagem


JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao lado do mercado de peixes do Ver-o-Peso, em Belém do Pará, mandingueiras vendem poções contra o mau-olhado, perfumes chama-marido e infusões que prometem curar de bronquite a queda de cabelo.
De uns anos para cá, gente que não está atrás de remédios populares contra as dores da alma nem do corpo começou a circular por ali à procura de aromas que pudessem ser usados em preparos culinários.
Foi assim que o cumaru, aromatizador de tabaco e de gaveta de roupa, foi parar na calda de um pudim de fruta-pão do chef paraense Thiago Castanho e tem feito a alegria de muitos confeiteiros mundo afora sob o nome fava de tonka.
Aroma de perfume da Natura e componente do popular "cheiro do Pará", a priprioca migrou para duas sobremesas de Alex Atala. E a amburana, indicada para má-digestão, substitui a baunilha em uma sobremesa da chef Mara Salles.
"Ia à zona de banho de cheiro e de crendices populares do Ver-o-Peso comprar manjericão, e acabaram me mostrando o cumaru", diz Castanho, 21, chef do Remanso do Peixe. "No início, os vendedores diziam que não tinha nada a ver usá-lo na cozinha, que ia me matar."
Nas incursões ao mercado paraense, o sociólogo Carlos Alberto Dória, 57, notou a mesma restrição: "Ninguém usa o cumaru como alimento. Torcem o nariz. Pedi para a minha irmã me trazer de Maués [no Amazonas], e ela comprou na farmácia. Tem uso meramente medicinal, indicam para otite".
A mesma expressão de espanto toma o rosto dos vendedores das bancas de ervas medicinais do Mercado da Lapa, em São Paulo, quando escutam conversas sobre dar um uso culinário a amburanas e puxuris.
É lá que a nutricionista Neide Rigo, 47, do blog Come-se, circula atrás de novos cheiros. Na visita que fez com a Folha à banca Salsas & Cheiros (tel. 0/xx/11/3641-1505), encontrou amburana, pacová, pimenta-de-macaco, pindaíba e puxuri (as cartelas com 30 g ou 50 g variam de R$ 2 a R$ 3).
A loja de ervas e especiarias Bombay (tel. 0/xx/11/3083-3999) também vende cumaru, pimenta-de-macaco, pindaíba e pacová. Mas nem sempre é fácil encontrá-las. "Como poucos usam na culinária, o produtor está acostumado a exportar para a indústria de cosmético", diz Nelo Linguanotto, 51, proprietário da Bombay.

Uso cauteloso
Entusiasta da priprioca, o chef Alex Atala, 41, é cauteloso quanto ao uso indiscriminado de aromáticos que não tenham sido submetidos a estudos de toxicidade: "Esses produtos amazônicos têm grande possibilidade de uso como especiarias, mas carecem de pesquisas que apontem a segurança".
Sem uso alimentar na Amazônia, a priprioca passou por análises para checar se tinha substâncias proibidas pela FDA (agência americana que regulamenta fármacos e alimentos), segundo Atala. "Por isso, ela pode entrar na alimentação."
A essência da priprioca é extraída a frio (em álcool de cereais depois volatilizado) e usada em um pudim de leite com ravióli de limão e banana-ouro, no D.O.M., e em um creme de chocolate, no Dalva e Dito.
Outro aromático nascido em solo brasileiro e reverenciado por chefs é a baunilha-banana, extraída de uma orquídea no cerrado. A que ilustra esta página foi enviada pelo chef dinamarquês Simon Lau, do brasiliense Aquavit. "É menos perfumada, mas mais frutada", diz.
"Tem notas de tabaco muito claras. É uma das grandes promessas, uma espécie que merece ser conhecida melhor e pesquisada para ser extraída de modo sustentável", diz Atala.


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