São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"O ARTICULADOR"

Com Al Pacino no papel principal, filme chega a SP antes de NY

Longa projeta honestidade rara no cinema americano

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

"O Articulador " entra em cartaz em São Paulo antes de estrear em Nova York, sua cidade-cenário. Por lá, o lançamento está previsto para 2003, quem sabe. O motivo do desprezo é misterioso, mas talvez tenha alguma coisa a ver com algumas das melhores qualidades do filme.
Este segundo longa de Dan Algrant (de "Nu em Nova York", 1994) traz uma honestidade muito rara no cinema americano hoje, principalmente no cinema dito independente, que de modo geral se encontra num estado ainda mais pobre que o hollywoodiano.
Cada vez mais filmes corajosos como esse são postos de lado pelas regras do próprio mercado. Não por acaso, a distribuição de "O Articulador" nos EUA está a cargo da Miramax. Mas não se trata de um típico filme Miramax, diga-se de passagem.
O roteiro quase primoroso de Jon Robin Baitz acompanha algumas horas da vida de Eli Wurman (Al Pacino), um relações-públicas da velha guarda nova-iorquina. Durante o tempo em que a câmera acompanha Eli, despontam temas delicados como tráfico de influências, uso de drogas, chantagem e abuso de poder.
Mas o motivo da "censura branca" talvez seja uma visão extremamente crítica da Nova York pós-Giuliani, principalmente em relação à política repressiva aos imigrantes ilegais.
"O Articulador" lembra os filmes da melhor fase de Sidney Lumet. Certamente não tem o impacto de "Um Dia de Cão" nem a precisão de "Serpico", para citar dois filmes estrelados pelo mesmo Al Pacino. Mas tem a mesma vontade de falar, com carinho, de um personagem não-óbvio da grande Nova York, sem se deter apenas nesse personagem, buscando um painel mais amplo.
Pacino tem neste filme seu melhor trabalho nos últimos anos. Ele dá nuanças mis à figura do relações-públicas homossexual, dilacerado pela corrupção inerente ao seu trabalho e o idealismo que ainda alimenta. Quando o filme começa, Eli está organizando um jantar de adesão à causa de dois imigrantes africanos que estão para ser deportados. Pretende, ainda, selar a paz entre as comunidades negra e judaica da cidade, que trocam acusações e alimentam ressentimentos mútuos.
Mas Eli tem seu trabalho interrompido pelo pedido (que ele não pode negar) de um velho amigo, o astro de cinema Cary Elner (uma participação surpreendente de Ryan O'Neal). Cary aparece de madrugada, solicitando mais um "trabalhinho" a Eli: ele deve pagar a fiança de uma jovem atriz em ascensão (interpretada por Tea Leoni), presa por posse de drogas, e acompanhá-la até um jatinho, que vai levá-la de volta a Los Angeles. Mas ele acaba testemunhando o assassinato da atriz.
Nesse momento, o roteiro parece tomar um rumo perigoso (o de um filme de suspense banal). Mas logo retoma seu curso, concentrando-se novamente na figura de Eli. Sem deixar de resolver o quesito policial, "O Articulador" não se distancia de seus objetivos primeiros, que é contar a história da figura fascinante do relações-públicas decadente.
O personagem de Eli Wurman vive num mundo onde não há espaço para ele. Sua cunhada (outra participação surpreendente, de Kim Basinger) tenta convencê-lo a se aposentar, mas, quando ele aceita sua proposta, é tarde. Eli já foi tragado pelo abismo. Uma figura comovente, enfim.
O Articulador


People I Know    
Direção: Dan Algrant
Produção: EUA, 2001
Com: Al Pacino, Kim Basinger e Tea Leoni
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Belas Artes, Interlagos, Internacional Guarulhos e circuito



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