São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"A PAIXÃO DE JACOBINA"

Novo filme de Fábio Barreto estréia nos cinemas

Clichês e estética kitsch dominam drama novelesco

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Jacobina Mentz, camponesa descendente de alemães, foi a líder religiosa que fundou na região de São Leopoldo (RS) a seita dos "mucker", uma dissidência do protestantismo reprimida ferozmente pelo exército do Império na década de 1870.
Aos interessados em conhecer um pouco melhor esse "Canudos do Sul", recomenda-se que procurem a bela produção "Os Mucker", realizada em 1978 por Jorge Bodanzky.
Quem se fiar em "A Paixão de Jacobina", de Fábio Barreto, corre o risco de aproveitar pouco mais que as belas paisagens da serra gaúcha, pano de fundo para um drama telenovelesco envolvendo o triângulo amoroso formado por Jacobina (Letícia Spiller), seu marido João Jorge Maurer (Alexandre Paternost) e seu verdadeiro amor, o primo Franz (Thiago Lacerda).
Do modo como a história é contada pelos Barreto, depreende-se que a seita mucker se formou por causa da crise histérica em que Jacobina mergulhou ao ser deixada pelo primo amado.
A literatura histórica e psicanalítica está cheia de casos de mulheres que se tornam visionárias, iluminadas ou santas (ou simplesmente loucas) a partir da frustração sexual. O próprio título escolhido pelos Barreto parece indicar a dupla paixão da protagonista, a religiosa e a carnal.
Mas o que levou toda uma comunidade de camponeses pobres a embarcar nessa loucura e seguir essa mulher até a morte?
Isso "A Paixão de Jacobina" não explica e nem mesmo sugere.
Seu principal problema parece ser o de abraçar incondicionalmente a idéia da iluminação mística de Jacobina. Os seguidores desta simplesmente abandonam-se a essa crença, rejeitando a razão e a segurança da vida cotidiana por conta de um fascínio absoluto pela figura da beata.
Mesmo os personagens secundários que se opõem de alguma maneira à seita, como o delegado (Caco Ciocler), movem-se pela lógica das paixões amorosas, como nas telenovelas -horizonte dramático e estético, aliás, dos dois longas-metragens anteriores do diretor, "O Quatrilho" e "Bela Donna".
Ao não enraizar o episódio na história social do período, "A Paixão de Jacobina" parece atribuir o crescimento da seita ao mero obscurantismo, a uma espécie de fé cega e sem objeto. Mais que isso: o filme faz a apologia dessa cegueira coletiva. Essa adesão sem reservas se dá na própria linguagem audiovisual adotada. As cenas de visões ou profecias de Jacobina são filmadas de maneira hagiográfica, mimetizando, sem ironia visível, a iconografia religiosa mais kitsch. O ponto alto dessa estética é a cena em que Jacobina, em êxtase, vê um crucifixo ser envolvido em chamas.
Está certo que os dotes dramáticos de Letícia Spiller não ajudam muito a criar qualquer espessura ou ambiguidade. De todo modo, é em seus dotes físicos que o filme parece estar mais interessado.
O problema é que o próprio erotismo é confinado a clichês, como o sexo entre os amantes no rio, com direito a câmera lenta e água cintilando na contraluz.
Há, porém, um momento digno de nota. A história se passa no Brasil rural do século 19, mas a produção conseguiu inserir um merchandising dos calçados Azaléa, na cena em que uma mulher vai buscar suas botas no sapateiro. Convenhamos: é uma proeza.


A Paixão de Jacobina  
Produção: Brasil, 2002
Direção: Fábio Barreto
Com: Letícia Spiller, Thiago Lacerda
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes/Sala Carmen Miranda, Frei Caneca Unibanco Arteplex 6, Anália Franco 3



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