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CINEMA/ESTRÉIA
"A PAIXÃO DE JACOBINA"
Novo filme de Fábio Barreto estréia nos cinemas
Clichês e estética kitsch dominam drama novelesco
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Jacobina Mentz, camponesa descendente de alemães, foi a líder religiosa que fundou na região de São Leopoldo (RS) a seita dos "mucker", uma dissidência
do protestantismo reprimida ferozmente pelo exército do Império na década de 1870.
Aos interessados em conhecer um pouco melhor esse "Canudos do Sul", recomenda-se que procurem a bela produção "Os Mucker", realizada em 1978 por Jorge
Bodanzky.
Quem se fiar em "A Paixão de Jacobina", de Fábio Barreto, corre o risco de aproveitar pouco mais que as belas paisagens da serra gaúcha, pano de fundo para um drama telenovelesco envolvendo o triângulo amoroso formado por
Jacobina (Letícia Spiller), seu marido João Jorge Maurer (Alexandre Paternost) e seu verdadeiro amor, o primo Franz (Thiago Lacerda).
Do modo como a história é contada pelos Barreto, depreende-se que a seita mucker se formou por causa da crise histérica em que Jacobina mergulhou ao ser deixada
pelo primo amado.
A literatura histórica e psicanalítica está cheia de casos de mulheres que se tornam visionárias,
iluminadas ou santas (ou simplesmente loucas) a partir da frustração sexual. O próprio título escolhido pelos Barreto parece indicar a dupla paixão da protagonista, a religiosa e a carnal.
Mas o que levou toda uma comunidade de camponeses pobres
a embarcar nessa loucura e seguir
essa mulher até a morte?
Isso "A Paixão de Jacobina" não
explica e nem mesmo sugere.
Seu principal problema parece
ser o de abraçar incondicionalmente a idéia da iluminação mística de Jacobina. Os seguidores
desta simplesmente abandonam-se a essa crença, rejeitando a razão
e a segurança da vida cotidiana
por conta de um fascínio absoluto
pela figura da beata.
Mesmo os personagens secundários que se opõem de alguma
maneira à seita, como o delegado
(Caco Ciocler), movem-se pela lógica das paixões amorosas, como
nas telenovelas -horizonte dramático e estético, aliás, dos dois
longas-metragens anteriores do
diretor, "O Quatrilho" e "Bela
Donna".
Ao não enraizar o episódio na
história social do período, "A Paixão de Jacobina" parece atribuir o
crescimento da seita ao mero obscurantismo, a uma espécie de fé
cega e sem objeto. Mais que isso: o
filme faz a apologia dessa cegueira
coletiva. Essa adesão sem reservas
se dá na própria linguagem audiovisual adotada. As cenas de visões ou profecias de Jacobina são
filmadas de maneira hagiográfica,
mimetizando, sem ironia visível, a
iconografia religiosa mais kitsch.
O ponto alto dessa estética é a cena em que Jacobina, em êxtase, vê
um crucifixo ser envolvido em
chamas.
Está certo que os dotes dramáticos de Letícia Spiller não ajudam
muito a criar qualquer espessura
ou ambiguidade. De todo modo, é
em seus dotes físicos que o filme
parece estar mais interessado.
O problema é que o próprio erotismo é confinado a clichês, como
o sexo entre os amantes no rio,
com direito a câmera lenta e água
cintilando na contraluz.
Há, porém, um momento digno
de nota. A história se passa no
Brasil rural do século 19, mas a
produção conseguiu inserir um
merchandising dos calçados Azaléa, na cena em que uma mulher
vai buscar suas botas no sapateiro. Convenhamos: é uma proeza.
A Paixão de Jacobina
Produção: Brasil, 2002
Direção: Fábio Barreto
Com: Letícia Spiller, Thiago Lacerda
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes/Sala Carmen Miranda, Frei Caneca
Unibanco Arteplex 6, Anália Franco 3
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