|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Músicos e gravadoras chegam a acordo inédito, que deve instaurar numeração por lotes e fiscalização da produção de CDs
Fecha-se o cerco
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Após cisões e suspeitas de que
tudo podia acabar em pizza, o
mercado fonográfico brasileiro
chega a acordo inédito que deve
normatizar a relação entre gravadoras e músicos.
O texto de um novo decreto, redigido em conjunto por representantes de músicos e da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), já está nas mãos do
governo federal, para possíveis
correções jurídicas.
As resoluções seguem indefinidas nos setores de livros e audiovisual (leia abaixo), mas o governo federal pressiona para que na
próxima semana as propostas de
cada setor passem a cumprir o
prazo de 15 dias de consulta pública na internet, para que o presidente Fernando Henrique Cardoso assine decreto modificando artigo crucial (e até hoje inoperante)
da lei do direito autoral, de 1998.
A numeração de CDs e DVDs
musicais será instaurada por lotes, segundo proposta dos representantes da ABPD, do grupo de
músicos liderado por Lobão e
Beth Carvalho e de músicos que se
posicionaram contrariamente ao
projeto derrubado da deputada
Tânia Soares (PC do B-SE).
Não pára aí. A fiscalização de todas as etapas da produção será
aberta a sindicatos regionais de
músicos, e já está em articulação a
criação de uma entidade independente de fiscalização, sustentada
por um fundo que destinaria para
isso, por acordo coletivo, R$ 0,01
de cada CD comercializado.
Segundo representantes dos
músicos, as novas disposições
não encarecerão o custo final dos
discos. Procurada pela Folha, a
ABPD preferiu manter silêncio.
Mais novidade: a "carteira de
identidade" de cada disco (chamada ISRC, uma ficha digital que
descreve faixas, autores e editoras
de cada CD) passará a ser obrigatória, o que pode revolucionar o
controle da classe musical sobre o
recolhimento de direitos autorais.
"Isso vai atingir fregueses importantes das fábricas, como os
de música evangélica e pequenas
produtoras que regravam músicas conhecidas e não pagam direito autoral", relata Steve Altit, empresário e suplente do músico
Ivan Lins no grupo de trabalho.
"A reação contrária das fábricas
trouxe à tona um fato que desconhecíamos, de que existe um ambiente de desconfiança entre elas
e as gravadoras. O controle rígido
que haverá também nas tiragens
produzidas na fábrica agradou às
gravadoras", completa.
Ligado ao núcleo de Lobão e integrante convidado pelo governo,
o advogado Nehemias Gueiros Jr.
comemora a adesão das grandes
gravadoras ao projeto de transparência.
Destruição de CDs
O maior acesso do artista a dados de tiragem e recolhimento de
direitos é só um primeiro passo,
como admite Altit: "Temos que
admitir que, infelizmente, grande
parte do problema vem da ignorância dos próprios artistas e seus
empresários. Embora com estratégias equivocadas a meu ver, Lobão e Beth tiveram uma participação importantíssima. Eles uniram
a classe musical".
Outro ponto sensível circunscrito pela nova proposta é o da
destruição de discos -quando há
encalhe, as gravadoras podem
destruir estoque e, assim, se livrar
de encargos e impostos.
Devem ser instaurados agora a
obrigatoriedade de que as gravadoras avisem previamente a destruição e permitam a presença de
um representante dos músicos no
ato.
Por trás disso está outra das nebulosidades que circundam o sistema, como descreve Gueiros:
"Não podemos afirmar nada, mas
existe a suspeita de que parte dos
CDs não seja destruída e volte a
realimentar os camelôs nas ruas".
Embora os rumos da discussão
venham se somar às já inúmeras
dificuldades vividas pelas gravadoras, reabriram por outro lado
um canal de diálogo entre o setor
e o governo, que vinha estremecido desde que a própria indústria
impetrou liminar contra o artigo
de controle proposto em 98.
Se a ABPD mantém silêncio respeitoso, Steve Altit faz seu balanço
final. "Todas as partes tiveram de
ceder, mas o atrito foi muito reduzido. Ninguém é santo -nem os
artistas-, mas ficou claro que temos muito que caminhar juntos.
A indústria precisa entender que
o artista é seu sócio, e não seu empregado, e o artista, que a gravadora não é ladra. Me sinto orgulhoso de estarmos abrindo um caminho bonito e moderno pela
frente".
Texto Anterior: Documentário: Produção recompõe obra de Duprat Próximo Texto: Festival do Rio BR: Mitos de Manchester Índice
|