São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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Músicos e gravadoras chegam a acordo inédito, que deve instaurar numeração por lotes e fiscalização da produção de CDs

Fecha-se o cerco

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Após cisões e suspeitas de que tudo podia acabar em pizza, o mercado fonográfico brasileiro chega a acordo inédito que deve normatizar a relação entre gravadoras e músicos.
O texto de um novo decreto, redigido em conjunto por representantes de músicos e da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), já está nas mãos do governo federal, para possíveis correções jurídicas.
As resoluções seguem indefinidas nos setores de livros e audiovisual (leia abaixo), mas o governo federal pressiona para que na próxima semana as propostas de cada setor passem a cumprir o prazo de 15 dias de consulta pública na internet, para que o presidente Fernando Henrique Cardoso assine decreto modificando artigo crucial (e até hoje inoperante) da lei do direito autoral, de 1998.
A numeração de CDs e DVDs musicais será instaurada por lotes, segundo proposta dos representantes da ABPD, do grupo de músicos liderado por Lobão e Beth Carvalho e de músicos que se posicionaram contrariamente ao projeto derrubado da deputada Tânia Soares (PC do B-SE).
Não pára aí. A fiscalização de todas as etapas da produção será aberta a sindicatos regionais de músicos, e já está em articulação a criação de uma entidade independente de fiscalização, sustentada por um fundo que destinaria para isso, por acordo coletivo, R$ 0,01 de cada CD comercializado.
Segundo representantes dos músicos, as novas disposições não encarecerão o custo final dos discos. Procurada pela Folha, a ABPD preferiu manter silêncio.
Mais novidade: a "carteira de identidade" de cada disco (chamada ISRC, uma ficha digital que descreve faixas, autores e editoras de cada CD) passará a ser obrigatória, o que pode revolucionar o controle da classe musical sobre o recolhimento de direitos autorais.
"Isso vai atingir fregueses importantes das fábricas, como os de música evangélica e pequenas produtoras que regravam músicas conhecidas e não pagam direito autoral", relata Steve Altit, empresário e suplente do músico Ivan Lins no grupo de trabalho.
"A reação contrária das fábricas trouxe à tona um fato que desconhecíamos, de que existe um ambiente de desconfiança entre elas e as gravadoras. O controle rígido que haverá também nas tiragens produzidas na fábrica agradou às gravadoras", completa.
Ligado ao núcleo de Lobão e integrante convidado pelo governo, o advogado Nehemias Gueiros Jr. comemora a adesão das grandes gravadoras ao projeto de transparência.

Destruição de CDs
O maior acesso do artista a dados de tiragem e recolhimento de direitos é só um primeiro passo, como admite Altit: "Temos que admitir que, infelizmente, grande parte do problema vem da ignorância dos próprios artistas e seus empresários. Embora com estratégias equivocadas a meu ver, Lobão e Beth tiveram uma participação importantíssima. Eles uniram a classe musical".
Outro ponto sensível circunscrito pela nova proposta é o da destruição de discos -quando há encalhe, as gravadoras podem destruir estoque e, assim, se livrar de encargos e impostos.
Devem ser instaurados agora a obrigatoriedade de que as gravadoras avisem previamente a destruição e permitam a presença de um representante dos músicos no ato.
Por trás disso está outra das nebulosidades que circundam o sistema, como descreve Gueiros: "Não podemos afirmar nada, mas existe a suspeita de que parte dos CDs não seja destruída e volte a realimentar os camelôs nas ruas".
Embora os rumos da discussão venham se somar às já inúmeras dificuldades vividas pelas gravadoras, reabriram por outro lado um canal de diálogo entre o setor e o governo, que vinha estremecido desde que a própria indústria impetrou liminar contra o artigo de controle proposto em 98.
Se a ABPD mantém silêncio respeitoso, Steve Altit faz seu balanço final. "Todas as partes tiveram de ceder, mas o atrito foi muito reduzido. Ninguém é santo -nem os artistas-, mas ficou claro que temos muito que caminhar juntos. A indústria precisa entender que o artista é seu sócio, e não seu empregado, e o artista, que a gravadora não é ladra. Me sinto orgulhoso de estarmos abrindo um caminho bonito e moderno pela frente".


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