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São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2003

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POESIA

Em "Mundo Mudo", escritor busca dar permanência às existências fugazes e chama poesia alienada de "bibelô estético"

Donizete Galvão persegue o efêmero e seus traços

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Com os versos de "Mundo Mudo", Donizete Galvão, 48, procura fixar os traços efêmeros de sua existência, aqueles que vão sendo apagados pela fugacidade de um tempo dominado pela pirotecnia.
"Como deixar a marca do seu caminho em um mundo que devora tudo tão rapidamente? Acho que o que persigo é dar voz às pessoas, objetos e lembranças que não teriam espaço no mundo dos grandes espetáculos. Persigo alguma permanência em um espaço em que tudo se dissolve", diz.
As bases desse universo habitam os limites esmaecidos entre a Borda da Mata (MG), sua cidade natal, e a metrópole São Paulo, onde exercer a publicidade.
O texto que se enraíza nesse passado mitifica a realidade da infância. "A Borda da Mata dos poemas é uma construção mental, um mito pessoal, que tem pouco a ver com a cidade real. Ela se ergue mais como uma construção imaginária para se contrapor à São Paulo desencantada de hoje."
Os desvãos do grande centro urbano captados nos poemas são preenchidos por moradores de rua, corpos baleados e dores esquecidas. Uma realidade que incomoda e serve de contraponto ao passado abandonado do autor.
"Eu sou um poeta que anda de táxi, ônibus e trem. Impossível que essa dor das ruas não me fira e não se reflita no que escrevo. Uma poesia que ignore o social, o histórico, a alienação humana pode se transformar num bibelô estético."
Talvez essa consciência e fuga do esteticismo vazio expliquem sua opção por versos tradicionais, compostos sem o experimentalismo de alguns contemporâneos, apesar da temática semelhante.
"Não sinto essa necessidade imperiosa de ser experimental para estar em sintonia com o caos contemporâneo. No meio dessa avalanche de videoclipes, citações, paródias, me parece que querer desestruturar a linguagem seja mais conservador", afirma o autor que estreou na poesia com "Azul Navalha", em 1988.
Realizando sua literatura dessa maneira, Galvão procura coordenar essa resistência à fluidez contemporânea com a "religação" com uma dimensão sagrada.
"Hoje o homem se vê transformado em mais um recurso, em uma matéria-prima, para ser usado e descartado. Acho que todo poeta tenta despertar no seu leitor o sagrado que ainda está dentro dele adormecido."
Essa concepção do fazer poético alinha-se com a necessidade que transformou o mineiro em poeta. "Fui escrever poesias por insensatez, sentimento de inadequação ao mundo, mal-estar interno."
Galvão já publicou seis volumes, entre eles, "As Faces do Rio" (1991), "A Carne e o Tempo" (1997) e "Ruminações" (1999), pedras de elegante resistência e transcendência poéticas.


MUNDO MUDO. De: Donizete Galvão. Lançamento: Nankin Editorial. Quanto: R$ 17 (100 págs.).


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