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POESIA
Em "Mundo Mudo", escritor busca dar permanência às existências fugazes e chama poesia alienada de "bibelô estético"
Donizete Galvão persegue o efêmero e seus traços
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Com os versos de "Mundo Mudo", Donizete Galvão, 48, procura
fixar os traços efêmeros de sua
existência, aqueles que vão sendo
apagados pela fugacidade de um
tempo dominado pela pirotecnia.
"Como deixar a marca do seu
caminho em um mundo que devora tudo tão rapidamente? Acho
que o que persigo é dar voz às pessoas, objetos e lembranças que
não teriam espaço no mundo dos
grandes espetáculos. Persigo alguma permanência em um espaço em que tudo se dissolve", diz.
As bases desse universo habitam os limites esmaecidos entre a
Borda da Mata (MG), sua cidade
natal, e a metrópole São Paulo,
onde exercer a publicidade.
O texto que se enraíza nesse
passado mitifica a realidade da infância. "A Borda da Mata dos poemas é uma construção mental,
um mito pessoal, que tem pouco a
ver com a cidade real. Ela se ergue
mais como uma construção imaginária para se contrapor à São
Paulo desencantada de hoje."
Os desvãos do grande centro urbano captados nos poemas são
preenchidos por moradores de
rua, corpos baleados e dores esquecidas. Uma realidade que incomoda e serve de contraponto
ao passado abandonado do autor.
"Eu sou um poeta que anda de
táxi, ônibus e trem. Impossível
que essa dor das ruas não me fira e
não se reflita no que escrevo. Uma
poesia que ignore o social, o histórico, a alienação humana pode se
transformar num bibelô estético."
Talvez essa consciência e fuga
do esteticismo vazio expliquem
sua opção por versos tradicionais,
compostos sem o experimentalismo de alguns contemporâneos,
apesar da temática semelhante.
"Não sinto essa necessidade imperiosa de ser experimental para
estar em sintonia com o caos contemporâneo. No meio dessa avalanche de videoclipes, citações,
paródias, me parece que querer
desestruturar a linguagem seja
mais conservador", afirma o autor que estreou na poesia com
"Azul Navalha", em 1988.
Realizando sua literatura dessa
maneira, Galvão procura coordenar essa resistência à fluidez contemporânea com a "religação"
com uma dimensão sagrada.
"Hoje o homem se vê transformado em mais um recurso, em
uma matéria-prima, para ser usado e descartado. Acho que todo
poeta tenta despertar no seu leitor
o sagrado que ainda está dentro
dele adormecido."
Essa concepção do fazer poético
alinha-se com a necessidade que
transformou o mineiro em poeta.
"Fui escrever poesias por insensatez, sentimento de inadequação
ao mundo, mal-estar interno."
Galvão já publicou seis volumes, entre eles, "As Faces do Rio"
(1991), "A Carne e o Tempo"
(1997) e "Ruminações" (1999), pedras de elegante resistência e
transcendência poéticas.
MUNDO MUDO. De: Donizete Galvão.
Lançamento: Nankin Editorial. Quanto:
R$ 17 (100 págs.).
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