Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"SHOWRNALISMO"/"A SOCIEDADE DOS CHAVÕES"
"Liberdade de imprensa virou liberdade de empresa"
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Dois livros que estão sendo lançados por dois experientes jornalistas apontam para a grande imprensa o banco de réus.
Em "Showrnalismo: A Notícia
Como Espetáculo", José Arbex Jr.,
43, infunde suspeitas de tudo
aquilo que é dito pela mídia, afirmando que a notícia serve prioritariamente ao lucro de corporações e que jornais como a Folha
têm se tornado uma "TV impressa" -caracterizando a notícia como uma mercadoria e resultando
no fim da politização.
Em "A Sociedade dos Chavões:
Presença e Função do Lugar-Comum na Comunicação", Claudio
Julio Tognolli, 38, repórter especial da rádio Jovem Pan, aponta o
esvaziamento do discurso e pergunta se a linguagem, hoje, pode
representar alguma substituição
de experiência, já que anda empobrecida no dia-a-dia.
Os livros são frutos de pesquisa
para tese de doutorado. Arbex e
Tognolli já escreveram juntos "O
Século do Crime" (ed. Boitempo,
prêmio Jabuti de 1997) e "O Mundo Pós-Moderno" (Scipione, 98).
Ex-jornalistas da Folha, são ambos colunistas da revista "Caros
Amigos" e docentes em faculdades de jornalismo.
Arbex dá aulas na PUC-SP e na
Cásper Líbero. Tognolli dá aulas
nas Faculdades Integradas Alcântara Machado. A Folha juntou-os
para uma entrevista em que o papel da mídia no conflito no Oriente Médio não passou batido.
Folha - É difícil hoje em dia se
adaptar à grande imprensa?
Claudio Julio Tognolli - Eu perdi
o encanto pela notícia como mercadoria. Liberdade de imprensa
virou liberdade de empresa.
José Arbex Jr. - Eu acho insuportável. O tempo da grande imprensa virou um tempo industrial
e obedece a um método nazista de
desqualificação da memória. Você vive de sobressaltos, constantemente assaltado pelo novo. Acaba
o sequestro da filha do Silvio Santos, vem o escândalo do Jader, depois o ataque terrorista, enquanto
a memória se esvai.
Folha - Não existe espaço para o
jornalismo investigativo?
Tognolli - O agora é o ápice do
tempo. O passado pouco importa,
e o futuro não se planeja. Por isso
a linguagem da imprensa está cada vez mais empobrecida. Há a
programação das pessoas pela repetição, o terrorismo do agora.
Quando você tem um universo
simbólico menor, reage física e intuitivamente às coisas, o que faz
você refletir menos.
Folha - A impressão que tenho é
que a imprensa sempre vestiu uma
máscara idealista, que caiu agora
como o liberalismo.
Arbex - A Guerra do Golfo (91)
marcou um ponto de inflexão.
Quem assistiu pela TV não viu
ninguém morrer, como uma
guerra limpa. Mas hoje sabemos
que mais de 130 mil morreram. Se
a mídia é capaz de falsificar a
transmissão ao vivo de uma guerra, o que mais ela é capaz de fazer?
Folha - Na Segunda Guerra, a mídia omitia a paralisia do presidente
americano Franklin Roosevelt, não
exibia cadáveres.
Arbex - A proporção é diferente.
Ninguém viu os cadáveres do
WTC porque é ruim explicitar as
fraquezas do império e mostrar
mortes quando se prepara uma
guerra. Para a imprensa americana, secundada pela imprensa servil brasileira, fica difícil preparar a
guerra com cadáveres.
Folha - A imprensa quer a guerra?
Arbex - As corporações de mídia
movimentam bilhões, o que gera
compromissos com bancos, o que
gera uma imbricação promíscua
de interesses entre mídia e Estado.
A mídia se tornou um instrumento de guerra. Hoje, é a maior inimiga da democracia.
Tognolli - Diminuindo a simbolização, você sataniza certos grupos, as pessoas reagem de maneira emocional e compram o produto. As pessoas curtem esse estresse do novo.
Arbex - Há também uma confusão de gêneros. A Globo passa "O
Clone" e 60 milhões vão achar que
conhecem o islã porque viram a
novela. A novela se transforma
em reportagem e o jornalismo adquire a linguagem da novela, com
imagens sedutoras e a identificação do bem e do mal. Isso se presta a todo tipo de manipulação.
Folha - A democracia americana
está em crise?
Arbex - Quando Bush pediu censura a Bin Laden, foi o maior golpe contra a democracia desde
1776. Hoje os EUA vivem num estado anômalo, que dificilmente se
chama democracia. O FBI pode
prender e interrogar qualquer
um. A mídia está censurada com a
anuência das corporações.
SHOWRNALISMO: A NOTÍCIA COMO
ESPETÁCULO. De: José Arbex Jr..
Editora: Casa Amarela (0/xx/11/3819-0130). 290 págs. R$ 21,50.
A SOCIEDADE DOS CHAVÕES:
PRESENÇA E FUNÇÃO DO LUGAR-COMUM NA COMUNICAÇÃO. De:
Claudio Julio Tognolli. Editora: Escrituras
(0/xx/11/5082-4190). 248 págs. R$ 13.
Texto Anterior: Trecho Próximo Texto: Free Jazz Festival: Laboratório Aphex Twin Índice
|