São Paulo, sexta, 27 de novembro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice CINEMA - ESTRÉIAS "Festa de Família' revela entranhas da Dinamarca
MARIANE MORISAWA da Redação Dezenas de convidados se dirigem à mansão dos Klingenfeldt para comemorar o aniversário de 60 anos do patriarca da família. Elas se encontram, se vestem e se sentam em volta de uma mesa, num ritual absolutamente dinamarquês. Mas a celebração em família, que aparentemente seria como todas as outras, repleta de harmonia entre pessoas diversas, acaba se tornando um momento de revelação de segredos e liberação, ao menos para Christian, o filho mais velho. Ao alternar risos, lágrimas e tensão, "Festa de Família", de Thomas Vinterberg, que estréia hoje no Brasil, se tornou um dos filmes mais aplaudidos do ano. Exibida durante o Festival de Cannes, no último mês de maio, a produção serviu também para apresentar ao mundo o Dogma 95. Acreditando que as pessoas estão cansadas de "Godzilla", ou seja, de filmes com roteiros ruins, cheios de efeitos especiais e máscaras para esconder as imperfeições, quatro cineastas dinamarqueses assinaram o Dogma 95, conjunto de regras que pretende "disciplinar" o cinema e, com isso, voltar ao básico: boas histórias, bons personagens e bons atores. O manifesto (leia os "mandamentos" no quadro) já rendeu dois filmes: além de "Festa de Família", do jovem Vinterberg, 29, também foi exibido em Cannes "Os Idiotas", do já consagrado Lars von Trier ("Ondas do Destino"). Causaram impacto e também um pouco de polêmica. Seria tudo uma jogada de marketing? Basicamente, o Dogma prega um cinema mais simples, com menos interferências. Por exemplo, nenhum objeto pode ser adicionado ao cenário. Os atores devem se apresentar com suas próprias roupas. Luz artificial e sons não podem ser acrescentados. E a câmera deve ser operada na mão. Mas não há restrições quanto ao conteúdo. ² Tudo vai ficar bem Se em qualquer lugar a revelação de Christian seria um escândalo, numa família dinamarquesa ela soa ainda mais bombástica. "Na Dinamarca, tudo vai bem na superfície", diz à Folha Ulrich Thomsen, que interpreta Christian. "Tudo vai ficar bem é o nosso mote. Não temos problemas como pobreza e desemprego e não queremos estragar essa ilusão de perfeição. Mas, se você olhar bem, verá que temos um dos maiores índices de suicídio do mundo." O personagem Christian foi escrito especialmente para o ator Ulrich Thomsen, já que ele e Thomas Vinterberg se conhecem há muito tempo. "Um respeita muito o trabalho do outro. Enquanto escrevia o roteiro, Thomas Vinterberg me ligava e conversávamos sobre as falas", afirma o ator. Formado pela Escola Nacional de Teatro de Copenhague, Thomsen adorou a experiência de trabalhar sob o Dogma. "Nós filmamos mais, porque não havia a espera para o acerto de luzes e som. Mas, em compensação, nós não tínhamos de nos preocupar com marcações e a câmera -"Festa de Família' foi rodado em uma minicâmera de vídeo e depois transposto para película. Os operadores e o diretor pareciam garçons em volta da mesa. Eles se encaixavam meio que naturalmente no espaço, e isso aproximou o filme de um tom documental." ² Trapaças O ator garante que as regras do Dogma 95 foram seguidas à risca pelo diretor. "Ele só trapaceou em uma ou outra coisinha", ele afirma. O próprio diretor admitiu suas "fraudes" no texto "Confissão", divulgado em Cannes. Ulrich Thomsen acredita que o Dogma tenha vindo como reação a Hollywood. E concorda que o público está um pouco cansado do filme hollywoodiano típico. "As pessoas querem ver filmes bons e sérios. Na Europa, já estamos percebendo que as fitas hollywoodianas não são tão boas. Os europeus estão abrindo os olhos para seu próprio cinema." Thomsen atualmente está em uma montagem de "Romeu e Julieta", de William Shakespeare, em Copenhague. "Se passo um ano longe do palco, fico paranóico, sinto como se desaprendesse a atuar", ele afirma. Ulrich Thomsen espera, entretanto, poder trabalhar cada vez mais em cinema. No próximo ano, já tem dois filmes engatilhados e pretende entrar no mercado europeu. "No começo, devo interpretar apenas papéis de alemães ou russos. A Dinamarca produz apenas oito ou dez filmes por anos, muito pouco." Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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