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"O Silêncio' elogia a irresponsabilidade
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Nos últimos anos, o cinema de
Mohsen Makhmalbaf tornou-se
bem conhecido no Brasil, não só
por conta do trabalho da Mostra
Internacional de Cinema de SP,
mas por uma identidade de parte
do público brasileiro tem com o cineasta, bem mais político do que
Abbas Kiarostami, por exemplo.
Com a mesma facilidade, porém,
esse trabalho por vezes consegue
escapar ao domínio do espectador,
como se quisesse se esconder, deixando no ar a pergunta sobre o que
o filme quis dizer com isso.
No caso de "O Silêncio" isso
acontece, ao narrar as aventuras de
Korshid, menino cego que todos
os dias se atrasa para chegar ao serviço, pois, no caminho, é desviado
por algum som sedutor. Enquanto
no trabalho pesa sobre ele a ameaça de demissão, por irresponsabilidade, em casa existe o risco de ser
despejado, junto com a mãe, por
atrasar o pagamento do aluguel.
Não dá para negar que Makhmalbaf seja um cineasta acima da
média, e que a narrativa evite todo
melodramatismo barato.
Não dá para negar, também, suas
virtudes de colorista, já vistas em
outros filmes e reafirmadas, aqui,
em diversos momentos. Makhmalbaf consegue dominar uma gama vasta, sem nunca se perder, explorando a sensualidade das cores,
assim como -de forma mais discreta- a das mulheres (representadas, no caso, pela garota que
acompanha Korshid).
Dito isso, parece que alguma coisa falta desta vez. O menino erra
pela cidade, perde-se, sai atrás de
belas melodias. Numa de suas
aventuras, escuta uma banda tocando e fica sabendo que os instrumentos estão desafinados (ele é o
afinador desses instrumentos).
Makhmalbaf evita, por aí, um velho clichê, segundo o qual a deficiência visual seria compensada
pela acuidade auditiva. Com efeito, o garoto persegue belas melodias, mas não parece dotado de um
ouvido privilegiado.
Em compensação, o que lhe dá a
cegueira? Aquilo que menos se espera dela: irresponsabilidade. Não
no sentido de algo condenável.
Perder-se parece ser a hipótese de
exercer a liberdade, errar, vagar.
Mas, ao contrário de tantos trabalhos em que essa irresponsabilidade tem uma finalidade, ou é redimida por um sentido, em "O Silêncio" não há fim nem remissão.
Existe, de maneira tímida, um
canto à vida, que se manifesta apesar de seus percalços, na beleza dos
sons, na evanescência da música,
que some no ar, não acrescenta valor nem utilidade às coisas; mas
importa apenas porque existe.
Talvez tenha faltado desta vez a
Makhmalbaf a força suficiente para mostrar como os sons -essa
coisa que desaparece de nossa vista e ouvido assim que passa- persistem em nossas mentes, intactos,
duradouros, eventualmente durante toda uma vida.
Talvez Makhmalbaf tenha sido
mais feliz ao falar da permanência
das coisas em seu "Gabbeh", digamos, do que agora. Talvez as imagens de "O Silêncio", ao contrário
de certas músicas, não tenham o
dom de se fazer lembrar. Mas,
mesmo que menor, "O Silêncio"
está longe de ser um filme capaz de
aborrecer o espectador, ou de ser
marcado pelo espírito burocrático.
²
Filme: O Silêncio
Produção: Irã, 1998
Direção: Mohsen Makhmalbaf
Com: Tahmineh Normatova
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 2
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