São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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VÍDEO/LANÇAMENTOS

SHEILA GRECCO
da Redação

O retrato do regime totalitário de Pol Pot (1925-1998), um dos líderes comunistas mais controversos do século, pode ser visto, sem truques, em "Os Gritos do Silêncio". O filme de estréia do diretor Roland Joffé, que marcaria a sua nítida vocação documental, leva às telas fatos e personagens verídicos.
"A liderança do Khmer Vermelho era uma combinação particularmente assassina do maoísmo de café parisiense do seu líder Pol Pot com o campesinato armado da mata, decidido a destruir a civilização das cidades", referiu-se Eric Hobsbawn (em "A Era dos Extremos") ao tipo de comunismo a toda força do Camboja.
Depois de os EUA terem lançado contra o Vietnã um volume de bombas tão grande quanto o empregado em toda a Segunda Guerra Mundial, o mesmo ano de 1975 que assinala a retirada das (frustradas) tropas norte-americanas deflagra o começo de outra guerra no país vizinho, o Camboja.
O filme tem início no momento de ocupação por Pol Pot e seus seguidores do Khmer Vermelho da capital do país, Phnom Penh.
Sidney Schanberg (Sam Waterson) é um jornalista cobrindo o conflito para o jornal "The New York Times", sempre auxiliado por seu guia e intérprete, o jornalista cambojano Dith Pran (Haing S. Ngor). Com o recrudescimento do regime, os estrangeiros conseguem visto para fugir do país e Dith, sendo cambojano, acaba indo a um campo de concentração.
Aí sim começa a galeria dos horrores, o "estágio zero" como define o próprio personagem. O regime de Pol Pot exterminou profissionais liberais que eram considerados subversivos. Pran (Ngor) em atuação impecável, que lhe valeu o Oscar de melhor ator coadjuvante, torna-se prisioneiro do Khmer Vermelho. E tem de esconder, sob a pena de ser trucidado, toda a sua formação intelectual.
São instantes de medo, servidão, doutrinação e desespero. Memoráveis cenas como a que Pran, faminto, rasga um pedaço da pele de um boi e chupa sofregamente o seu sangue.
Haing Ngor representou um papel real. Ele foi, durante cinco anos, prisioneiro do Khmer Vermelho e, nesse período, escondeu o fato de ser médico e assistiu à morte de sua mulher grávida.
O diretor Roland Joffé fez uma aposta certa, num estilo semelhante ao cinema do neo-realismo italiano, que privilegiava personagens e atores reais.
O filme dialoga inevitavelmente com os grandes fatos, nem sempre de maneira didática -o que tornaria o filme datado e panfletário. Nele se assiste aos reflexos das rápidas passagens políticas do Camboja, de ex-monarquia, ex-colônia francesa (a ex-Indochina, juntamente com os demais países vizinhos, Laos e Vietnã), do processo de nacionalismo exacerbado ao regime totalitário.
Há ainda outros importantes questionamentos: o papel do jornalista como testemunha ocular da história e o drama familiar em jogo em nome da profissão, a distinção entre amizade e a efemeridade dos relacionamentos e o remorso do correspondente americano que ganha um prêmio de jornalismo, estando o parceiro preso.
Todo vestígio de civilização, de resquício de domínio francês, sobretudo, era uma ameaça ao Khmer. Daí a perseguição implacável aos intelectuais (tão bem representada no filme). A tentativa de socialização é mostrada em "Gritos do Silêncio" de maneira negativa, veja-se pelas cenas de alimentação em grupos coletivos e as cerimônias forçadas de devoção ao partido.
Pol Pot, considerado por muitos historiadores como o "bastardo ideológico de Ho Chi Minh", foi influenciado tanto pela atmosfera do socialismo -os anos de 1945 a 1953 que marcaram a vitória do comunismo na China, a iminência econômica da URSS e o confronto na Coréia, quanto pela tradição de monarquia despótica do Camboja. Como diz Pran, no filme, Pol Pot instalou "um regime no qual só os calados sobreviveram".

Avaliação:    


DVD: Os Gritos do Silêncio
Título Original: The Killing Fields
Produção: EUA, 1984
Tela: widescreen e standard
Extras: biografias, filmografias, menus interativos, escolha de cenas
Legendas: português e inglês
Distribuidora: Flashstar (nova cópia também em VHS)




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