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VÍDEO/LANÇAMENTOS
América colonial
da Redação
Índios vestidos
com mantos brancos, tocando violino e cantando em
latim. Cenas cruéis
-quando não surreais- do processo de aculturação dos índios na América Latina
são a tônica de "A Missão", de Roland Joffé.
Narrado em reiterados "flashbacks", o filme pontua um momento histórico específico, as decisões do Tratado de Madri tomadas em 1750, que obrigavam a Espanha a ceder parte da América
do Sul para Portugal. Isso põe em
conflito não só as duas potências,
como uma terceira, a Igreja, e os
pobres índios guaranis da região.
Padre Gabriel (Jeremy Irons) é o
jesuíta encarregado de amansar
os nativos da região, até então,
pertencente à Espanha. Irons encarna habilmente a inegável boa
fé de apóstolo com ideais salvacionistas, com didatismo humanitário a fim de expurgar o mal
que se abatia sobre os hereges que
dançavam, praticavam ritos antropofágicos e exibiam corpos
nus "sem nenhuma vergonha".
Para que os índios possam ver a
fé com mais temor e reverência,
padre Gabriel e John (Liam Neeson) estabelecem várias missões e
nelas igrejas e templos para protegê-los. Os padres os introduzem
aos objetos sacramentais (santinhos, medalhas, rosários, terços,
escapulários), um sem-número
de signos e canções religiosas. E,
quanto mais pacíficos, mais produtivos. Os guaranis plantam, fabricam violinos, artesanatos, tudo
em prol das missões européias.
Aos olhos dos jesuítas, a submissão e a colonização surgem
como redenções, porque assim
impediriam os índios de serem
torturados e exterminados. Aos
olhos dos portugueses, em busca
da partilha da região, a Igreja estava tirando mais proveito lucrativo
do que os colonizadores.
Ciente de todos os jogos políticos envolvidos está Rodrigo Mendonza (como sempre mais um
papel de "outsider" que Robert
De Niro sabe fazer com maestria),
ex-mercador de escravos, que, na
disputa pela mulher que amava,
mata o próprio irmão, ex-jesuíta,
ex-penitente e assim por diante.
Mendonza passa por todos os
ciclos, do inferno à redenção e vice-versa, percebendo que a violência, por vezes, é mais audível
que o amor defendido pelo padre
Gabriel (Irons).
Mais do que a denúncia do extermínio físico está o cultural a
que foram submetidos os índios.
Expresso tanto em closes de objetos sagrados que se fundem à pintura dos corpos dos índios a serem convertidos, quanto na estratégia de generalizar o medo, o
horror já tão presente nos índios
contra os espíritos malignos.
Basta ver a cena em que a pequena índia, assustada com a possibilidade de ter de voltar à floresta, agarra-se a um padre e diz não
querer voltar à "morada do diabo". Tudo às avessas. Os europeus
só reconhecem os índios na medida em que eles se europeizam. A
estratégia de transformar o outro
em nome de si mesmo.
Revisto hoje, o filme, vencedor
da Palma de Ouro em Cannes em
1986, permanece como um dos
melhores retratos da América colonial, seja pela vocação documentarista de Roland Joffé, seja
ainda pela sua capacidade de usar
a história como pretexto para
construir um filme de arte, no
qual a música melancólica de Ennio Morricone, e os flashs sombrios e luminosos servem de signos para a formação fragmentária
da América Latina -onde as tradições não se foram e a modernidade não cessa de chegar.
Como diz um dos europeus no
filme, "talvez os índios tivessem
preferido que o mar e o vento
nunca nos tivessem trazido até
eles".
(SG)
Avaliação:
DVD: A Missão
Título Original: The Mission
Produção: EUA, 1986
Tela: widescreen e standard
Extras: menu interativo, índice para
escolha de cenas
Legendas: português e inglês
Distribuidora: Flashstar
(nova cópia também em VHS)
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