São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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VÍDEO/LANÇAMENTOS

América colonial


da Redação


Índios vestidos com mantos brancos, tocando violino e cantando em latim. Cenas cruéis -quando não surreais- do processo de aculturação dos índios na América Latina são a tônica de "A Missão", de Roland Joffé.
Narrado em reiterados "flashbacks", o filme pontua um momento histórico específico, as decisões do Tratado de Madri tomadas em 1750, que obrigavam a Espanha a ceder parte da América do Sul para Portugal. Isso põe em conflito não só as duas potências, como uma terceira, a Igreja, e os pobres índios guaranis da região.
Padre Gabriel (Jeremy Irons) é o jesuíta encarregado de amansar os nativos da região, até então, pertencente à Espanha. Irons encarna habilmente a inegável boa fé de apóstolo com ideais salvacionistas, com didatismo humanitário a fim de expurgar o mal que se abatia sobre os hereges que dançavam, praticavam ritos antropofágicos e exibiam corpos nus "sem nenhuma vergonha".
Para que os índios possam ver a fé com mais temor e reverência, padre Gabriel e John (Liam Neeson) estabelecem várias missões e nelas igrejas e templos para protegê-los. Os padres os introduzem aos objetos sacramentais (santinhos, medalhas, rosários, terços, escapulários), um sem-número de signos e canções religiosas. E, quanto mais pacíficos, mais produtivos. Os guaranis plantam, fabricam violinos, artesanatos, tudo em prol das missões européias.
Aos olhos dos jesuítas, a submissão e a colonização surgem como redenções, porque assim impediriam os índios de serem torturados e exterminados. Aos olhos dos portugueses, em busca da partilha da região, a Igreja estava tirando mais proveito lucrativo do que os colonizadores.
Ciente de todos os jogos políticos envolvidos está Rodrigo Mendonza (como sempre mais um papel de "outsider" que Robert De Niro sabe fazer com maestria), ex-mercador de escravos, que, na disputa pela mulher que amava, mata o próprio irmão, ex-jesuíta, ex-penitente e assim por diante.
Mendonza passa por todos os ciclos, do inferno à redenção e vice-versa, percebendo que a violência, por vezes, é mais audível que o amor defendido pelo padre Gabriel (Irons).
Mais do que a denúncia do extermínio físico está o cultural a que foram submetidos os índios. Expresso tanto em closes de objetos sagrados que se fundem à pintura dos corpos dos índios a serem convertidos, quanto na estratégia de generalizar o medo, o horror já tão presente nos índios contra os espíritos malignos.
Basta ver a cena em que a pequena índia, assustada com a possibilidade de ter de voltar à floresta, agarra-se a um padre e diz não querer voltar à "morada do diabo". Tudo às avessas. Os europeus só reconhecem os índios na medida em que eles se europeizam. A estratégia de transformar o outro em nome de si mesmo.
Revisto hoje, o filme, vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 1986, permanece como um dos melhores retratos da América colonial, seja pela vocação documentarista de Roland Joffé, seja ainda pela sua capacidade de usar a história como pretexto para construir um filme de arte, no qual a música melancólica de Ennio Morricone, e os flashs sombrios e luminosos servem de signos para a formação fragmentária da América Latina -onde as tradições não se foram e a modernidade não cessa de chegar.
Como diz um dos europeus no filme, "talvez os índios tivessem preferido que o mar e o vento nunca nos tivessem trazido até eles". (SG)


Avaliação:    


DVD: A Missão
Título Original: The Mission
Produção: EUA, 1986
Tela: widescreen e standard
Extras: menu interativo, índice para escolha de cenas
Legendas: português e inglês
Distribuidora: Flashstar (nova cópia também em VHS)




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