São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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Volume traz cartas de artistas

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

O pequeno e bem diagramado volume "Mário Carneiro x Iberê Camargo", lançado pela editora Casa da Palavra durante a recente Mostra Rio Gravura, traz informações significativas sobre as carreiras desses dois grandes artistas brasileiros.
Grosso modo, sabia-se que, nos anos 60, o carioca Mário Carneiro abandonou definitivamente uma promissora carreira de artista plástico, incluindo-se aí décadas de pesquisa e linguagem original no campo da gravura. Trocou tudo pela arte, ainda menos reconhecida, de compor "gravuras em luz" (em sua própria definição), ou seja, abraçou apaixonadamente a fotografia para o cinema.
Assim, ao lado de Dib Carneiro (dos filmes de Nelson Pereira dos Santos) e de Afonso Beato (hoje fotógrafo de Almodóvar), Mário Carneiro tornou-se um dos grandes nomes da fotografia de cinema brasileiro a partir do cinema novo. Ainda hoje colabora com nomes como Paulo César Saraceni ("O Viajante", 98).
Mário também dirigiu um pouco visto longa-metragem, "Gordos e Magros" (77), bem como "Iberê Camargo, Pintura, Pintura" (83), entre outros curtas. Sua obra como pintor e gravurista, eclipsada pelo cinema, mas não descartada, reapareceu no Rio, notadamente em duas mostras, na Petite Galerie (69) e na Fundação Castro Maya (93).
O que pouco se sabia antes da publicação dessa "Correspondência" era sobre o grau de influências recíprocas entre Mário Carneiro e Iberê Camargo (1914-1994), e também sobre a sustentação moral e material oferecida pelo primeiro à carreira do gaúcho, que um bom número de críticos posiciona entre os três maiores pintores brasileiros deste século.
Apresentados em Paris no âmbito de um curso de arte ministrado pelo professor de origem russa Poliakof, Mário representou para Iberê a continuidade de sua experiência européia dos anos 40.
Desde a "Cidade Luz" (já em 53), onde se estabeleceu para curar uma mononucleose, Carneiro assinalava ao mestre estabelecido no Rio a aquisição de obras suas pouco apreciadas em salões, remetia infindáveis e trabalhosas listas de materiais de gravura e pintura, servia de intermediário em questões dirigidas ao gravador Friedlander e até mesmo prestava solidariedade contra um barulhento papagaio na vizinhança de Camargo.
Tratavam-se cavalheirescamente de "meu caro professor" (Iberê) e "meu caro general comandante" (Mário). Tais fórmulas de respeito revelaram-se capazes de prolongar, por 16 anos (1953-1969), um intercâmbio que, tudo indica, ajudou Camargo a atravessar recorrentes crises de neurastenia e solidão frente a telas complexas ("Eu pinto porque a vida dói", afirmava Iberê Camargo).
Nessa correspondência de tônicas formais, entre pedidos de remessa de ácidos e vernizes, ressoa às vezes profunda latência afetiva: "Creio que somente um namorado romântico aguarda com igual ansiedade uma carta como eu aguardo as tuas" (de Iberê, 7 de dezembro de 53).
Do lado de Carneiro, é possível reconhecer em sua obra cinematográfica a influência do professor venerado em pelos menos dois filmes, ambos dirigidos por Paulo César Saraceni.
No elaborado estudo de luz em preto-e-branco do filme "Porto das Caixas" ecoa influência comum dos amigos: os temas e composições do também gravador Goeldi.
Já em "A Casa Assassinada" (transposição do romance de Lúcio Cardoso), a marca de Camargo surge entre as densas colorações dos interiores de uma mansão mineira.
Sempre privilegiando o tema da gravura, o volume da Casa da Palavra inclui ainda, ao lado das cartas, entrevista concedida por Iberê a Claudio Mello e Souza ("Jornal do Brasil", 58) e o texto integral do manual "A Gravura" (55), de Iberê Camargo, um dos raros didáticos brasileiros sobre o tema de efetiva serventia.


Livro: Mário Carneiro x Iberê Camargo -Correspondência
Editora: Editora Casa da Palavra (tel. 0/ xx/21/540-0037), com Centro de Arte Hélio Oiticica e Secretaria Municipal de Cultura/Rioarte
Quanto: R$ 22 (196 págs.)





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