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Volume traz cartas de artistas
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
O pequeno e bem
diagramado volume "Mário Carneiro x Iberê Camargo", lançado pela
editora Casa da Palavra durante a recente Mostra
Rio Gravura, traz informações
significativas sobre as carreiras
desses dois grandes artistas brasileiros.
Grosso modo, sabia-se que, nos
anos 60, o carioca Mário Carneiro
abandonou definitivamente uma
promissora carreira de artista
plástico, incluindo-se aí décadas
de pesquisa e linguagem original
no campo da gravura. Trocou tudo pela arte, ainda menos reconhecida, de compor "gravuras em
luz" (em sua própria definição),
ou seja, abraçou apaixonadamente a fotografia para o cinema.
Assim, ao lado de Dib Carneiro
(dos filmes de Nelson Pereira dos
Santos) e de Afonso Beato (hoje
fotógrafo de Almodóvar), Mário
Carneiro tornou-se um dos grandes nomes da fotografia de cinema brasileiro a partir do cinema
novo. Ainda hoje colabora com
nomes como Paulo César Saraceni ("O Viajante", 98).
Mário também dirigiu um pouco visto longa-metragem, "Gordos e Magros" (77), bem como
"Iberê Camargo, Pintura, Pintura" (83), entre outros curtas. Sua
obra como pintor e gravurista,
eclipsada pelo cinema, mas não
descartada, reapareceu no Rio,
notadamente em duas mostras,
na Petite Galerie (69) e na Fundação Castro Maya (93).
O que pouco se sabia antes da
publicação dessa "Correspondência" era sobre o grau de influências recíprocas entre Mário Carneiro e Iberê Camargo (1914-1994), e também sobre a sustentação moral e material oferecida pelo primeiro à carreira do gaúcho,
que um bom número de críticos
posiciona entre os três maiores
pintores brasileiros deste século.
Apresentados em Paris no âmbito de um curso de arte ministrado pelo professor de origem russa
Poliakof, Mário representou para
Iberê a continuidade de sua experiência européia dos anos 40.
Desde a "Cidade Luz" (já em
53), onde se estabeleceu para curar uma mononucleose, Carneiro
assinalava ao mestre estabelecido
no Rio a aquisição de obras suas
pouco apreciadas em salões, remetia infindáveis e trabalhosas
listas de materiais de gravura e
pintura, servia de intermediário
em questões dirigidas ao gravador Friedlander e até mesmo
prestava solidariedade contra um
barulhento papagaio na vizinhança de Camargo.
Tratavam-se cavalheirescamente de "meu caro professor" (Iberê) e "meu caro general comandante" (Mário). Tais fórmulas de
respeito revelaram-se capazes de
prolongar, por 16 anos (1953-1969), um intercâmbio que, tudo
indica, ajudou Camargo a atravessar recorrentes crises de neurastenia e solidão frente a telas
complexas ("Eu pinto porque a
vida dói", afirmava Iberê Camargo).
Nessa correspondência de tônicas formais, entre pedidos de remessa de ácidos e vernizes, ressoa
às vezes profunda latência afetiva:
"Creio que somente um namorado romântico aguarda com igual
ansiedade uma carta como eu
aguardo as tuas" (de Iberê, 7 de
dezembro de 53).
Do lado de Carneiro, é possível
reconhecer em sua obra cinematográfica a influência do professor
venerado em pelos menos dois filmes, ambos dirigidos por Paulo
César Saraceni.
No elaborado estudo de luz em
preto-e-branco do filme "Porto
das Caixas" ecoa influência comum dos amigos: os temas e
composições do também gravador Goeldi.
Já em "A Casa Assassinada"
(transposição do romance de Lúcio Cardoso), a marca de Camargo surge entre as densas colorações dos interiores de uma mansão mineira.
Sempre privilegiando o tema da
gravura, o volume da Casa da Palavra inclui ainda, ao lado das cartas, entrevista concedida por Iberê a Claudio Mello e Souza ("Jornal do Brasil", 58) e o texto integral do manual "A Gravura" (55),
de Iberê Camargo, um dos raros
didáticos brasileiros sobre o tema
de efetiva serventia.
Livro: Mário Carneiro x Iberê Camargo
-Correspondência
Editora: Editora Casa da Palavra (tel. 0/
xx/21/540-0037), com Centro de Arte
Hélio Oiticica e Secretaria Municipal de
Cultura/Rioarte
Quanto: R$ 22 (196 págs.)
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