São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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ARTES - 4ª BIENAL DE ARQUITETURA

Colagem infantilóide e sem propósito

GERALD THOMAS
especial para a Folha

Subindo e descendo as rampas do prédio de Niemeyer percebo, com enorme tristeza, que não há quase ninguém aqui além de mim.
É uma tarde de sábado e somente alguns gatos pingados perambulam por aqui, todos meio perdidos, e o ambiente...
Bem, o ambiente tem um certo gosto de fracasso. Também pudera: esta bienal não é nada. São centenas de painéis enfileirados. Pobre como uma feira industrial de terceiro mundo, quase uma favela, esses minitapumes não contam nenhuma história, são estáticos e antiatraentes. Esta bienal parece uma feira sem rumo, uma feira depois do meio-dia.
Se há curadoria, ou alguma linha dramatúrgica, ela não deixou claro a que veio. Não me entenda mal. Há poucas coisas que me interessam tanto quanto arquitetura. Sim, porque poucas coisas no mundo congregam tantas matérias, de tantas naturezas, em um só produto final. Poucas coisas instigam tanto -ou provocam tanta polêmica- quanto um projeto arquitetônico ou urbanístico de cunho vanguardista.
E poucas coisas progrediram tanto e se tornaram alvo de tantos estudos filosófico-político-sociais, com tanta veemência, quanto a arquitetura do século 20.
Ela é, em síntese, o próprio resultado metafórico da filosofia fragmentada, existencial e funcionalista deste século de acumulações aparentemente desorganizadas. E, como entusiasta dessa arte, é que entrei e saí decepcionado com a total pobreza desta bienal.
Infelizmente, não basta juntar um monte de projetos, panfletos, "blueprints" e montá-los em tapumes verticais. Isso até passa quando se trata de exposição de fim de ano de ginasial. Mas uma bienal...
Infelizmente, não basta grudar algum material vindo da Alemanha na parede, ou criar labirintos tediosos com desenhos propositalmente trêmulos, ou mesmo abrir alguns contêineres interativos da Holanda, com sons em "off" e entrevistas em um paupérrimo monitor (que deixa nítido que nem a transferência do sistema PAL-G para NTSC foi bem-feita).
Uma exposição desse tamanho -e com essa pretensão- precisa saber a importância da sedução. Sim, a sedução mais simples, aliás, a mesma que os arquitetos usam quando pensam e repensam em novas formas de revestir seus módulos habitáveis numa vestimenta moderna, diferente. Sim, é a sedução que nos conduz à linha de pensamento e aos diversos universos formais ali expostos.
Esta bienal nada sabe sobre sedução. Mal organizada e totalmente insossa no que diz respeito a instigar o espectador a investigar a matéria exposta, ela não passa de uma constatação numérica. Parece até que alguém quis prestar contas e provar que conseguia armazenar mais estilos e mais nomes que em outros anos. Parece até repartição pública.
Não aceito a desculpa de que havia pouca verba e poucos recursos. Então que não faça. "Ter de fazer" (como se montar uma bienal fosse conseguir vencer alguma luta ideológica) acaba se transformando em um enorme desrespeito e desserviço àqueles cujas obras merecem mais que um mero espaço físico, já que eles (os grandes gênios da arquitetura) gastaram grande parte de suas vidas repensando e reconstruindo o espaço físico e, justamente por causa dele, se tornaram os grandes deuses que são.
Uma curadoria inteligente teria de ter pensado melhor em como fazer uma conexão entre Mies van der Rohe e Frank Gehry, por exemplo. Lado a lado (mas em salas separadas), a obra exposta dos dois não passa do material mais óbvio e esperado.
Claro que está lá o prédio da Seagram, em Manhattan, e é claro que está lá o Guggenheim, de Bilbao (prédios que devem ter tido mais mídia que Madonna e Michael Jackson juntos). Sempre achei que uma bienal, como qualquer exposição, deveria ter como propósito investigar um pouco da intimidade dos artistas, achar influências pessoais, expor projetos mais desconhecidos deles.
No que diz respeito a esses dois, em particular, não há menção a Guenther Domenig ou a Philip Johnson, figuras predominantes na carreira de Gehry. O austríaco e o norte-americano (ex-simpatizante do nazismo) foram impactantes na carreira de Gehry e foram importantes no processo do "desfuncionalismo bauhausiano" na vida de Gehry.
Nenhuma menção também a Peter Eisenman, se bem que posso tê-lo perdido de vista, já que nesta bienal as frutas e as carnes estavam lado a lado, sem o menor sentido ou função.
Sim, o que faltou aqui foi um pouco de sentido. É uma pena, pois sei como exposições desse tamanho e dessa importância são importantes na formação de um apaixonado. Eu mesmo sei o quanto devo a algumas mostras que pontuaram a minha vida. E também sei o quanto pode ser esmagador o resultado de uma colagem infantilóide como essa, tão descuidada e tão sem propósito.
Só espero que algum jovem estudante de arquitetura, apaixonado pelo que faz, acabe prestando atenção nas perversas (porém muito sedutoras) colunas e curvas sinuosas do prédio de Niemeyer que, em última instância, acaba valendo muito mais do que qualquer amontoado de maquetinhas expostas dentro dele.


Avaliação:  


Mostra: 4ª Bienal Internacional de Arquitetura
Quando: de ter. a dom., das 11h às 22h; até 25/1
Onde: Pavilhão da Bienal (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 574-5922)
Quanto: R$ 10 e R$ 5





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