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ARTES - 4ª BIENAL DE ARQUITETURA
Colagem infantilóide e sem propósito
GERALD THOMAS
especial para a Folha
Subindo e descendo as rampas
do prédio de Niemeyer percebo,
com enorme tristeza, que não há
quase ninguém aqui além de
mim.
É uma tarde de sábado e somente alguns gatos pingados perambulam por aqui, todos meio perdidos, e o ambiente...
Bem, o ambiente tem um certo
gosto de fracasso. Também pudera: esta bienal não é nada. São
centenas de painéis enfileirados.
Pobre como uma feira industrial
de terceiro mundo, quase uma favela, esses minitapumes não contam nenhuma história, são estáticos e antiatraentes. Esta bienal parece uma feira sem rumo, uma
feira depois do meio-dia.
Se há curadoria, ou alguma linha dramatúrgica, ela não deixou
claro a que veio. Não me entenda
mal. Há poucas coisas que me interessam tanto quanto arquitetura. Sim, porque poucas coisas no
mundo congregam tantas matérias, de tantas naturezas, em um
só produto final. Poucas coisas
instigam tanto -ou provocam
tanta polêmica- quanto um projeto arquitetônico ou urbanístico
de cunho vanguardista.
E poucas coisas progrediram
tanto e se tornaram alvo de tantos
estudos filosófico-político-sociais, com tanta veemência, quanto a arquitetura do século 20.
Ela é, em síntese, o próprio resultado metafórico da filosofia
fragmentada, existencial e funcionalista deste século de acumulações aparentemente desorganizadas. E, como entusiasta dessa arte,
é que entrei e saí decepcionado
com a total pobreza desta bienal.
Infelizmente, não basta juntar
um monte de projetos, panfletos,
"blueprints" e montá-los em tapumes verticais. Isso até passa
quando se trata de exposição de
fim de ano de ginasial. Mas uma
bienal...
Infelizmente, não basta grudar
algum material vindo da Alemanha na parede, ou criar labirintos
tediosos com desenhos propositalmente trêmulos, ou mesmo
abrir alguns contêineres interativos da Holanda, com sons em
"off" e entrevistas em um paupérrimo monitor (que deixa nítido
que nem a transferência do sistema PAL-G para NTSC foi bem-feita).
Uma exposição desse tamanho
-e com essa pretensão- precisa
saber a importância da sedução.
Sim, a sedução mais simples,
aliás, a mesma que os arquitetos
usam quando pensam e repensam em novas formas de revestir
seus módulos habitáveis numa
vestimenta moderna, diferente.
Sim, é a sedução que nos conduz à
linha de pensamento e aos diversos universos formais ali expostos.
Esta bienal nada sabe sobre sedução. Mal organizada e totalmente insossa no que diz respeito
a instigar o espectador a investigar a matéria exposta, ela não passa de uma constatação numérica.
Parece até que alguém quis prestar contas e provar que conseguia
armazenar mais estilos e mais nomes que em outros anos. Parece
até repartição pública.
Não aceito a desculpa de que
havia pouca verba e poucos recursos. Então que não faça. "Ter de
fazer" (como se montar uma bienal fosse conseguir vencer alguma
luta ideológica) acaba se transformando em um enorme desrespeito e desserviço àqueles cujas obras
merecem mais que um mero espaço físico, já que eles (os grandes
gênios da arquitetura) gastaram
grande parte de suas vidas repensando e reconstruindo o espaço
físico e, justamente por causa dele, se tornaram os grandes deuses
que são.
Uma curadoria inteligente teria
de ter pensado melhor em como
fazer uma conexão entre Mies van
der Rohe e Frank Gehry, por
exemplo. Lado a lado (mas em salas separadas), a obra exposta dos
dois não passa do material mais
óbvio e esperado.
Claro que está lá o prédio da
Seagram, em Manhattan, e é claro
que está lá o Guggenheim, de Bilbao (prédios que devem ter tido
mais mídia que Madonna e Michael Jackson juntos). Sempre
achei que uma bienal, como qualquer exposição, deveria ter como
propósito investigar um pouco da
intimidade dos artistas, achar influências pessoais, expor projetos
mais desconhecidos deles.
No que diz respeito a esses dois,
em particular, não há menção a
Guenther Domenig ou a Philip
Johnson, figuras predominantes
na carreira de Gehry. O austríaco
e o norte-americano (ex-simpatizante do nazismo) foram impactantes na carreira de Gehry e foram importantes no processo do
"desfuncionalismo bauhausiano"
na vida de Gehry.
Nenhuma menção também a
Peter Eisenman, se bem que posso tê-lo perdido de vista, já que
nesta bienal as frutas e as carnes
estavam lado a lado, sem o menor
sentido ou função.
Sim, o que faltou aqui foi um
pouco de sentido. É uma pena,
pois sei como exposições desse tamanho e dessa importância são
importantes na formação de um
apaixonado. Eu mesmo sei o
quanto devo a algumas mostras
que pontuaram a minha vida. E
também sei o quanto pode ser esmagador o resultado de uma colagem infantilóide como essa, tão
descuidada e tão sem propósito.
Só espero que algum jovem estudante de arquitetura, apaixonado pelo que faz, acabe prestando
atenção nas perversas (porém
muito sedutoras) colunas e curvas
sinuosas do prédio de Niemeyer
que, em última instância, acaba
valendo muito mais do que qualquer amontoado de maquetinhas
expostas dentro dele.
Avaliação:
Mostra: 4ª Bienal Internacional de
Arquitetura
Quando: de ter. a dom., das 11h às 22h;
até 25/1
Onde: Pavilhão da Bienal (pq. Ibirapuera,
portão 3, tel. 574-5922)
Quanto: R$ 10 e R$ 5
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