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WESLEY DUKE LEE
Uma estranha história em quadrinhos
RÉGIS BONVICINO
especial para a Folha
Wesley Duke Lee é referência já
histórica e respeitada da arte brasileira da segunda metade do século 20.
Depois de nove anos sem expor,
retorna com "O Filiarcado, Ensaio Alquímico com Jogos Infantis", trabalho dividido em três
momentos e/ou etapas de exibição: "Albedo", "Rubedo" e "Nigredo", na mesma galeria.
São 29 telas, que se utilizam da
forma do losango para reproduzir
cenas figurativas com meninos e
meninas, em técnica de sílica e
óleo sobre tela.
O resultado é, apenas, razoável
- absolutamente desproporcional às reivindicações teóricas e
políticas do autor, que afirma (até
no catálogo) ser de direita, contra
as ideologias de esquerda e contra
a própria arte contemporânea.
Sem tais aspirações de retomada dos temas infantis de Andrea
Mantegna (1431-1505), e em contraposição à Jacques Stella (1596-1657), a mostra poderia ser vista
com certa simpatia. Resgata nada
menos do que o espírito da Renascença, negando o Barroco e a
modernidade num só golpe.
A fluência do traço dos desenhos, a vivacidade de cores contrastadas -como o branco e o
azul contra o ocre quase onipresente- e a ironia na nudez e no
contato corporal das crianças,
com sua sexualidade polimorfa.
Ironia aqui, no sentido literal:
expressar o contrário do que, aparentemente, se quer dizer. A aspereza das telas produzida pelo atrito da argamassa sobre a lona poderia ser lida como ênfase na materialidade do desenho, e reforçaria o sarcasmo dessas 29 cenas
-na verdade vinhetas, quase como numa estranha história em
quadrinhos.
No entanto, se a exposição for
interpretada com os parâmetros
propostos por Duke Lee, ela não
ultrapassa a condição do fracasso.
O uso do losango, para romper
com o círculo (que representaria
o matriarcado) e com o quadrado
(que representaria o patriarcado),
revela-se um tímido e inexpressivo gesto na tradição da arte do século 20 .
O losango significa, nas teorias
de Duke Lee, a instauração do filiarcado (a era do filho). Com isso,
a ironia da reprodução de crianças nuas, em "exercício" de jogos
populares (cabra-cega, pião, amarelinha), perde por inteiro qualquer sentido crítico, qualquer leveza, para "impor" uma solenidade.
As técnicas de sílica, assim, podem ser vistas como tentativa de
recuperação da presença de afrescos, de painéis de arte rupestre em
nosso "imaginário". E com certeza não ultrapassam, igualmente, a
fronteira do "kitsch".
Ao negar o barroco e o modernismo e, simultaneamente, declarar-se "um homem de direita"
-("...Grande arte "non é cosa populare", mas de uma elite particular ...")-, Duke Lee cumpre, ao
menos, o papel de explicitar que
não se faz arte, em hipótese alguma, mesmo depois da queda do
Muro de Berlim, sem utopia, sem
um projeto de programação do
futuro.
Com isso, nem como pós-moderna pode ser lida a sua "O Filiarcado, Ensaio Alquímico com
Jogos Infantis", mas como manifestação confusa e enfraquecida
do alto modernismo.
Avaliação:
Exposição: O Filiarcado, Ensaio
Alquímico com Jogos Infantis
Quando: seg. a sáb. das 10h às 20h;
dom., das 10h às 19h. Até 31/1
Onde: Galeria São Paulo (r. Estados
Unidos, 1.456, tel. 852-8855)
Quanto: grátis
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