São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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WESLEY DUKE LEE

Uma estranha história em quadrinhos

RÉGIS BONVICINO
especial para a Folha

Wesley Duke Lee é referência já histórica e respeitada da arte brasileira da segunda metade do século 20.
Depois de nove anos sem expor, retorna com "O Filiarcado, Ensaio Alquímico com Jogos Infantis", trabalho dividido em três momentos e/ou etapas de exibição: "Albedo", "Rubedo" e "Nigredo", na mesma galeria.
São 29 telas, que se utilizam da forma do losango para reproduzir cenas figurativas com meninos e meninas, em técnica de sílica e óleo sobre tela.
O resultado é, apenas, razoável - absolutamente desproporcional às reivindicações teóricas e políticas do autor, que afirma (até no catálogo) ser de direita, contra as ideologias de esquerda e contra a própria arte contemporânea.
Sem tais aspirações de retomada dos temas infantis de Andrea Mantegna (1431-1505), e em contraposição à Jacques Stella (1596-1657), a mostra poderia ser vista com certa simpatia. Resgata nada menos do que o espírito da Renascença, negando o Barroco e a modernidade num só golpe.
A fluência do traço dos desenhos, a vivacidade de cores contrastadas -como o branco e o azul contra o ocre quase onipresente- e a ironia na nudez e no contato corporal das crianças, com sua sexualidade polimorfa.
Ironia aqui, no sentido literal: expressar o contrário do que, aparentemente, se quer dizer. A aspereza das telas produzida pelo atrito da argamassa sobre a lona poderia ser lida como ênfase na materialidade do desenho, e reforçaria o sarcasmo dessas 29 cenas -na verdade vinhetas, quase como numa estranha história em quadrinhos.
No entanto, se a exposição for interpretada com os parâmetros propostos por Duke Lee, ela não ultrapassa a condição do fracasso.
O uso do losango, para romper com o círculo (que representaria o matriarcado) e com o quadrado (que representaria o patriarcado), revela-se um tímido e inexpressivo gesto na tradição da arte do século 20 .
O losango significa, nas teorias de Duke Lee, a instauração do filiarcado (a era do filho). Com isso, a ironia da reprodução de crianças nuas, em "exercício" de jogos populares (cabra-cega, pião, amarelinha), perde por inteiro qualquer sentido crítico, qualquer leveza, para "impor" uma solenidade.
As técnicas de sílica, assim, podem ser vistas como tentativa de recuperação da presença de afrescos, de painéis de arte rupestre em nosso "imaginário". E com certeza não ultrapassam, igualmente, a fronteira do "kitsch".
Ao negar o barroco e o modernismo e, simultaneamente, declarar-se "um homem de direita" -("...Grande arte "non é cosa populare", mas de uma elite particular ...")-, Duke Lee cumpre, ao menos, o papel de explicitar que não se faz arte, em hipótese alguma, mesmo depois da queda do Muro de Berlim, sem utopia, sem um projeto de programação do futuro.
Com isso, nem como pós-moderna pode ser lida a sua "O Filiarcado, Ensaio Alquímico com Jogos Infantis", mas como manifestação confusa e enfraquecida do alto modernismo.


Avaliação:  


Exposição: O Filiarcado, Ensaio Alquímico com Jogos Infantis
Quando: seg. a sáb. das 10h às 20h; dom., das 10h às 19h. Até 31/1
Onde: Galeria São Paulo (r. Estados Unidos, 1.456, tel. 852-8855)
Quanto: grátis




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