|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Morrissey canta Smiths em show solo
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha,
em San Francisco
Não é em todo show de rock
que a platéia dá flores de presente
ao artista, mas tem sido assim,
uma série de rituais de adoração,
a atual turnê do inglês Stephen
Patrick Morrissey pelos EUA.
Morrissey, como é chamado
pelos fãs (seria melhor dizer devotos), cantava e fazia as letras do
Smiths, talvez a banda mais importante dos anos 80. O quarteto
de Manchester definiu o som daquela década, falando de melancolia e solidão, de desajuste.
Em dois shows recentes em San
Francisco, Morrissey foi beijado,
abraçado e ficou surpreso quando um fã subiu ao palco só para
repousar a cabeça em seu ombro.
Esta é uma excursão especial:
Morrissey não lança material inédito desde 1997, estava havia anos
sem se apresentar em público e
rumores davam conta de que ele
passava por uma fase de isolamento profundo e certa instabilidade emocional.
Mas não foi esse o Morrissey
que se apresentou em San Francisco, no clube Maritime Hall
(definido por ele como "um auditório de grêmio estudantil").
Confiante, conversando bem-humorado com a platéia, Morrissey
cantou três músicas dos Smiths, o
que não fazia desde 1987, ano do
tumultuado fim da banda.
"Is It Really So Strange?", "Meat
Is Murder" e "Last Night I
Dreamt That Somebody Loved
Me" compuseram o repertório e
foram das mais aplaudidas. A relação de canções presa ao chão do
palco, a chamada "setlist", incluía
também outro clássico dos
Smiths, "Half a Person", que acabou não sendo apresentado.
Morrissey estava inspirado. Batia o fio do microfone no chão,
mostrava a língua para a platéia e
fazia piadas com a segurança excessiva, que tem marcado vários
shows recentes nesta região.
Ao fãs que estendiam os braços
desesperados, tentando tocar no
ídolo, ele respondia, irônico:
"Não posso, é ilegal, é ilegal".
Escrevendo sobre um outro
show recente, em Los Angeles,
uma jornalista local foi mordaz:
disse que Morrissey, 40, está cada
vez mais parecido com El Vez,
um balofo mexicano que faz covers de Elvis Presley. Maldade.
Mas é fato que boa parte dos cabelos se foram, os que ficaram estão mais grisalhos e ele não tem
mais o gigantesco topete dos anos
80. Mais: uma barriga de quem
não se exercita há muitos anos
teima em aparecer por baixo das
camisetas, providencialmente
usadas por Morrissey para fora
da calça.
Mas, longe de parecer um astro
decadente, Morrissey apenas está
envelhecendo com dignidade.
Ele não vive mais na Inglaterra.
Mora sozinho, em Los Angeles,
numa casa espetacular, projetada
pessoalmente pelo ator Clark Gable, como presente para a doce
Carole Lombard. Segundo uma
reportagem recente do jornal inglês "The Times", o escritor F.
Scott Fitzgerald também foi dono
da propriedade e o diretor de cinema James Schlesinger já morou ali. No anos 70, aconteceu
nessa mesma casa a festa de estréia do filme "Os Embalos de Sábado à Noite".
Johnny Depp é vizinho de Morrissey, que passeia por Los Angeles com seu Porsche prateado e
se dá ao luxo de declarar para o
"Times" que, no tempo dos
Smiths, "era mais pobre e mentalmente empobrecido do que
qualquer ser humano tem direito de ser".
Visto na Inglaterra como uma
figura esquisita e fora de moda,
Morrissey hoje se sente em casa
nos EUA. Os shows estão todos
com lotação esgotada e, em San
Francisco, uma noite extra acabou sendo programada, tal a
procura por ingressos.
Morrissey entrega o que a platéia quer. No repertório, em
1h20, estão alguns dos momentos mais inspirados de sua carreira solo, como "November
Spawned a Monster" (mais pesada ao vivo do que em disco),
"Hairdresser on Fire" (idem) e
"Now My Heart Is Full".
O show estava ruim, e as paredes lisas do Maritime Hall refletiam o som de tal maneira que
mal dava para escutar as guitarras. Morrissey lamentou: "Se vocês não estão conseguindo ouvir
nada, a culpa não é nossa."
O sucesso da turnê de Morrissey acontece apesar de ele estar
sem gravadora (sua última, a
Mercury, faliu) e sem um esquema decente de divulgação. Diz estar pensando em lançar seu próximo álbum pela Internet, último
refúgio dos deserdados da indústria do disco.
Indiferentes a esses problemas,
os fãs continuam lotando os
shows desse distinto senhor inglês, que, se não é mais a última
palavra em música moderna, tem
lugar garantido entre aqueles que
fizeram alguma diferença na história do rock and roll.
Texto Anterior: Wesley Duke Lee: Uma estranha história em quadrinhos Próximo Texto: Fernando Gabeira: Berlim, um ensaio para o século 21 Índice
|