São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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MÚSICA

Morrissey canta Smiths em show solo

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha,
em San Francisco

Não é em todo show de rock que a platéia dá flores de presente ao artista, mas tem sido assim, uma série de rituais de adoração, a atual turnê do inglês Stephen Patrick Morrissey pelos EUA.
Morrissey, como é chamado pelos fãs (seria melhor dizer devotos), cantava e fazia as letras do Smiths, talvez a banda mais importante dos anos 80. O quarteto de Manchester definiu o som daquela década, falando de melancolia e solidão, de desajuste.
Em dois shows recentes em San Francisco, Morrissey foi beijado, abraçado e ficou surpreso quando um fã subiu ao palco só para repousar a cabeça em seu ombro.
Esta é uma excursão especial: Morrissey não lança material inédito desde 1997, estava havia anos sem se apresentar em público e rumores davam conta de que ele passava por uma fase de isolamento profundo e certa instabilidade emocional.
Mas não foi esse o Morrissey que se apresentou em San Francisco, no clube Maritime Hall (definido por ele como "um auditório de grêmio estudantil"). Confiante, conversando bem-humorado com a platéia, Morrissey cantou três músicas dos Smiths, o que não fazia desde 1987, ano do tumultuado fim da banda.
"Is It Really So Strange?", "Meat Is Murder" e "Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me" compuseram o repertório e foram das mais aplaudidas. A relação de canções presa ao chão do palco, a chamada "setlist", incluía também outro clássico dos Smiths, "Half a Person", que acabou não sendo apresentado.
Morrissey estava inspirado. Batia o fio do microfone no chão, mostrava a língua para a platéia e fazia piadas com a segurança excessiva, que tem marcado vários shows recentes nesta região.
Ao fãs que estendiam os braços desesperados, tentando tocar no ídolo, ele respondia, irônico: "Não posso, é ilegal, é ilegal".
Escrevendo sobre um outro show recente, em Los Angeles, uma jornalista local foi mordaz: disse que Morrissey, 40, está cada vez mais parecido com El Vez, um balofo mexicano que faz covers de Elvis Presley. Maldade.
Mas é fato que boa parte dos cabelos se foram, os que ficaram estão mais grisalhos e ele não tem mais o gigantesco topete dos anos 80. Mais: uma barriga de quem não se exercita há muitos anos teima em aparecer por baixo das camisetas, providencialmente usadas por Morrissey para fora da calça.
Mas, longe de parecer um astro decadente, Morrissey apenas está envelhecendo com dignidade.
Ele não vive mais na Inglaterra. Mora sozinho, em Los Angeles, numa casa espetacular, projetada pessoalmente pelo ator Clark Gable, como presente para a doce Carole Lombard. Segundo uma reportagem recente do jornal inglês "The Times", o escritor F. Scott Fitzgerald também foi dono da propriedade e o diretor de cinema James Schlesinger já morou ali. No anos 70, aconteceu nessa mesma casa a festa de estréia do filme "Os Embalos de Sábado à Noite".
Johnny Depp é vizinho de Morrissey, que passeia por Los Angeles com seu Porsche prateado e se dá ao luxo de declarar para o "Times" que, no tempo dos Smiths, "era mais pobre e mentalmente empobrecido do que qualquer ser humano tem direito de ser".
Visto na Inglaterra como uma figura esquisita e fora de moda, Morrissey hoje se sente em casa nos EUA. Os shows estão todos com lotação esgotada e, em San Francisco, uma noite extra acabou sendo programada, tal a procura por ingressos.
Morrissey entrega o que a platéia quer. No repertório, em 1h20, estão alguns dos momentos mais inspirados de sua carreira solo, como "November Spawned a Monster" (mais pesada ao vivo do que em disco), "Hairdresser on Fire" (idem) e "Now My Heart Is Full".
O show estava ruim, e as paredes lisas do Maritime Hall refletiam o som de tal maneira que mal dava para escutar as guitarras. Morrissey lamentou: "Se vocês não estão conseguindo ouvir nada, a culpa não é nossa."
O sucesso da turnê de Morrissey acontece apesar de ele estar sem gravadora (sua última, a Mercury, faliu) e sem um esquema decente de divulgação. Diz estar pensando em lançar seu próximo álbum pela Internet, último refúgio dos deserdados da indústria do disco.
Indiferentes a esses problemas, os fãs continuam lotando os shows desse distinto senhor inglês, que, se não é mais a última palavra em música moderna, tem lugar garantido entre aqueles que fizeram alguma diferença na história do rock and roll.


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