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FERNANDO GABEIRA
Uma versão histórica da piada do português
Mais uma vez os fatos não corresponderam às minhas idéias.
Apoiei a luta pela libertação do
Timor Leste, entre outras coisas,
porque o idioma lá era o português e a independência iria ampliar a comunidade linguística.
Descubro, agora, que a nova geração do Timor, exatamente aquela
em que se vai basear para construir o novo país, quase não fala
português. Os idiomas mais frequentes são o malaio e o inglês.
Em primeiro lugar, quero dizer
que descobri isto por meio da imprensa portuguesa, e não da brasileira -que praticamente desistiu de ter uma visão própria sobre
os fatos internacionais. Problemas econômicos.
Uma vez que mandamos nosso
pelotão para ajudar os australianos, que houve todo esse auê pela
independência, valeria a pena alguém dar uma passada por lá e
nos descrever o drama do nascimento de um país que não tem
língua oficial.
E isso é um problema, pois não
se pode fazer o país sem se adotar
um idioma. Os portugueses estão
mandando professores para lá.
Assisti a um debate na TV no qual
um dos entrevistados questionava
esse movimento de mandar professores. O argumento era o seguinte: se a dinâmica geral da sociedade não se orientar para o
idioma português, pouco poderá
fazer um pequeno grupo de mestres para alterar o rumo das coisas. Os australianos estão mais
bem colocados geograficamente,
pela presença de suas tropas lá e,
sobretudo, porque falam inglês.
Mesmo eles terão dificuldades,
pois as novas gerações do Timor
não só falam o malaio, elas pensam em malaio.
Gostaria de saber como é que
vamos solucionar esse enigma.
Principalmente porque após a independência nossa indiferença
em relação ao Timor voltou a
prevalecer.
Não vivemos intensamente o
drama da independência nem estamos interessados no processo de
reconstrução, em termos de cobertura de mídia e debate sobre o
tema.
A indiferença tem uma certa sabedoria, uma vez que o quadro
que nós, os defensores da independência, pintamos estava carregado de um projeto linguístico
que está se revelando inviável.
Mas, agora, a vaca já foi para o
brejo. Mandamos um pelotão para preservar a paz e precisamos
dar alguma resposta aos problemas da reconstrução. Não simplesmente para dizer que nos enganamos de porta, pedir desculpas e cruzar os braços.
No momento, é áspero falar disso no Brasil. Mas sou dos que
apostam num investimento
maior da mídia para dar uma visão nacional do que se passa no
mundo. Temos milhões de estudantes que poderiam potencialmente formar uma base de leitores suficiente para viabilizar uma
espécie de consórcio brasileiro para olhar o mundo com os próprios
olhos.
O que está se passando no Irã,
onde os reformistas tiveram uma
grande vitória, merecia uma presença maior no noticiário, inclusive com a presença de um ou
mais observadores.
Houve gente que se elegeu de
dentro da cadeia, o que revela a
força da maré reformista, que pode ter uma grande repercussão
em todo o Oriente Médio. E também nas teses de que o islamismo
era uma variável ameaçadora e
de que um confronto de culturas
era inevitável no século 21.
A televisão brasileira tem apresentado documentários sobre o
tema. Mesmo na televisão é difícil
encontrar o olhar brasileiro. As
imagens são de agências internacionais, e os apresentadores falam de Londres, Nova York ou
Paris, enfim, dos centros onde
nossa atenção está fixada.
Pessoalmente, não posso reclamar. Tenho acesso a mais informações do que posso processar.
Além disso, no caso do Timor Leste, assisti a algumas palestras de
gente do Itamaraty que foi até lá
e conhecia relativamente bem a
situação política.
Mas há um certo provincianismo que precisa ser rompido. A
saída que vejo é aumentar o potencial econômico da mídia. Há
grandes repórteres no Brasil, mas
sua capacidade está limitada por
causa da escassez de capital. Acho
que é preciso deixar entrar, parcialmente, o capital estrangeiro.
Imagino a surpresa com minha
conclusão. O grande argumento
contra o capital estrangeiro é de
que ele vai arrasar mais ainda a
cultura brasileira. Tivemos longas discussões sobre isso.
Meu argumento pode parecer
simplório, mas é este: se quiserem
fazer um programa de música
belga no lugar de um programa
de música brasileira, a audiência
vai cair.
A competição mais desenvolvida abrirá caminho para uma visão brasileira do mundo. No momento, se um líder faz um discurso em português em Angola, ele é
reportado em inglês e retraduzido
aqui para o português.
Não acho que a cultura brasileira seja um cordeirinho pronto para ser engolido pelo lobo mau. Ela
precisa estabelecer um novo pacto
com este mundo. E, a partir de seu
caminho, inspirar os políticos.
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