São Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 2002

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GASTRONOMIA

ÁFRICA DO SUL

Comida e ótimos vinhos carregam forte influência mediterrânea

Cozinha negra se esconde no ar europeu do país

JOSIMAR MELO
COLUNISTA DA FOLHA

A primeira dificuldade de um visitante da África do Sul é perceber que está na África. Seja pela paisagem humana, onde nos altos postos (a não ser no governo) quase só há brancos, seja porque é mais fácil encontrar cozinha européia e asiática do que a das nações negras do continente. O apartheid, que ruiu legalmente em 1994, deixou marcas sociais que ainda não foram apagadas.
"Só agora começamos a ter orgulho de nossa cultura e, portanto, da comida nativa; aqui não existia amor próprio no apartheid", diz a autora de livros gastronômicos Lannice Snyman, branca, mas interessada pela cozinha que os zulus, os xhosa, os swazi praticavam no território sul-africano. Difícil de achar nas grandes cidades.
Uma dose de África na veia é dada nos parques nacionais, onde hotéis de selva (lodges) sediam safáris. Uma estadia no luxuoso Mala Mala (de safári fotográfico, no parque Kruger) é inesquecível: os passeios de jipe pela savana, os silenciosos contatos de primeiro grau com famílias de leões, leopardos, elefantes, rinocerontes, búfalos (os cinco mais perigosos para caça) emocionam.
Mas a comida é pouco aventureira. Quase não há caça, só um discreto recheio de antílope na panqueca. Gafanhotos fritos e papas de milho que os batedores, todos negros, comem em casa com os dedos não chegam às mesas compartilhadas por hóspedes e guias (rangers) de olhos azuis.
Fora dali, as grandes cidades ou roteiros turísticos, como a Garden Route (pela costa sudeste, beirando belas paisagens no oceano Índico), revelam um panorama gastronômico surpreendente. Mistura de influência indonésia (especialmente na Cidade do Cabo) e indiana (concentrada mais na cidade de Durban), vindas do leste, com holandesa (afrikaner); e uma madura culinária européia, franco-italiana, reforçada pela presença dos ótimos vinhos do país (leia texto nesta página).
O gourmet que visita os safáris e depois passeia pelo país não terá queixas com a qualidade de ingredientes como ostras, lulas, peixes, lagosta, avestruz e cordeiro, preparados com requintes de alta cozinha. Mesmo em grandes hotéis (o Michelangelo, em Johannesburgo) e, claro, nos Relais & Châteax (Grande Roche, em Paarl; Marine, em Hermanus; Plettenberg, em Plettenberg Bay). Sem falar nas vinícolas que servem comida, como a Cabrière e a Constantia Uitsig (que começou apenas como hotel). Quase todos com chefs de cozinha europeus.
Já a cozinha nativa é difícil de achar. Na Cidade do Cabo há o Africa Café, onde um menu de 16 pratos cobre várias regiões do continente, com itens como milho cozido (uma variedade doce), bolinhos de cereais, fritadas de peixe, carnes condimentadas.
Em Johannesburgo, um táxi pode levar ao Soweto (bairro onde os negros eram confinados na época do apartheid). Tomado por turistas, ali fica o Wandie's Place, onde um bufê oferece a comida típica, que lembra um pouco a do sertão brasileiro: ricos ensopados (de galinha, de tripas, de cordeiro), poucos pescados, cremes e papas de cereais e legumes (milho, batata), pimenta moderada. Cozinheiros negros. Calor na sala. Um gosto de África.


O colunista Josimar Melo viajou a convite do Escritório de Turismo da África do Sul e da South African Airlines

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