São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 1998

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TEATRO CRÍTICA
"Taniko" concentra a emoção do Oficina

Lenise Pinheiro/Divulgação
A peça ''Taniko, o Rito do Vale'', montagem do diretor José Celso Martinez, que será apresentada hoje e amanhã, no Teatro Oficina


NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

É do maior mestre do teatro Nô, o ator e autor Zeami Motokiyo (1363-1443), a instrução para os atores "moverem-se a sete se o coração mover-se a dez". Estranho, mas é precisamente o que os atores de José Celso Martinez Corrêa esforçam-se por fazer, em "Taniko, o Rito do Vale".
Um elenco que costumeiramente se move a 14 ou 20 quando o coração se move a dez, o Oficina busca o tom menor, contido. A peça é homenagem, uma "oração cênica" ao diretor Luiz Antônio Martinez Corrêa, morto há dez anos. "Taniko, o Rito do Vale" foi adaptada por Luiz Antônio, chegou a ter apresentações amadoras, e é readaptada por Zé Celso como metáfora para a ressurreição cênica de seu irmão mais novo.
Escrita por Zenchiku (1405-1468), genro e o maior discípulo de Zeami, mostra o conflito na viagem que um jovem discípulo faz a uma montanha, com seu mestre (Zenchiku chamava Zeami de Mestre). No caminho, o jovem adoece -e a tradição manda que seja morto no "rito do vale" -lançado a um vale. Ele é morto, mas a intervenção divina faz com que volte à vida. A alegoria é belíssima e, apresentada no dia da morte de Luiz Antônio, em 23 de dezembro, foi de fato uma oração, um rito mágico.
Depurada e já em repertório (mais duas apresentações neste final de semana no Oficina, uma temporada no Rio, voltando a São Paulo no dia 20 de março), enfrenta as dificuldades mais terrenas da produção teatral.
O figurino é mambembe demais e o cenário inexiste, o que contrasta muito com a pompa que se viu em "Ela", desenhada por Gringo Cardia. Mas "Taniko" é, à sua maneira, um passo além no caminho que o grupo de Zé Celso vem fazendo, desde "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus", de Artaud, passando por "Ela", de Jean Genet.
Nas três montagens, de pequenas proporções, o rito "de estádio" dos grandiosos espetáculos anteriores do Oficina é trocado pelo rito de capela, com a concentração da emoção, a depuração da interpretação. "Mover-se a sete se o coração mover-se a dez."
Não à toa, são as peças que se seguem a "Bacantes", o rito dionisíaco para o qual o Oficina foi reconstruído. Aqui e ali, prosseguem os rompantes iconoclastas do diretor, acrescendo frases como "fé na tábua e pé em Deus".
Mas são a austeridade e a economia, princípios zen-budistas que se impregnaram no Nô, que direcionam a peça -do amadurecido, constrito mestre interpretado por Marcelo Drummond ao apolíneo, rigoroso corifeu interpretado por Fransérgio Araújo.
Num teatro levado pelo ritmo, como é o Nô, muito da inesperada marca de "Taniko, o Rito do Vale" se deve à percussão improvisada e envolvente de Mirodi.


Peça: Taniko, o Rito do Vale
Autor: Zenchiku
Direção: José Celso Martinez Corrêa
Com: Verônica Tamaoki, Frederico Sabino, Pascoal da Conceição e outros
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às 20h
Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 011/606-2818)
Quanto: R$ 10



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