São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2000


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ANÁLISE
Oscar 2000 dá lição de ousadia

AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas

Sinais de vida no planeta Hollywood: o Oscar 2000 confirmou-se como a mais ousada premiação em décadas, talvez desde o triunfo do amargo "Perdidos na Noite", de John Schlesinger (1969). É também outro oblíquo olhar inglêssobre o cotidiano americano o vitorioso da vez, "Beleza Americana", do estreante Sam Mendes.
A sátira sombria da destruição de uma família de classe média arrebatou cinco prêmios: melhor filme, diretor (Mendes), ator (Kevin Spacey), roteiro original (Alan Ball) e fotografia (Conrad L. Hall). Dois dos vencedores reconheceram a dívida para com o cinema cáustico de Billy Wilder.
Mendes, que conquista Hollywood depois de ter se imposto na cena teatral britânica e depois na Broadway, o fez de forma direta. É ele apenas o sexto diretor a levar o Oscar em sua obra de estréia, sucedendo Delbert Mann ("Marty"), Jerome Robbins ("Amor, Sublime Amor", co-dirigido por Robert Wise), Robert Redford ("Gente como a Gente"), James L. Brooks ("Laços de Ternura") e Kevin Costner ("Dança com Lobos"). Já Kevin Spacey dedicou a estatueta a Jack Lemmon, o impagável alter ego de Wilder em vários de seus grandes filmes.
Aplauda-se a homenagem. "Beleza Americana" recupera o essencial do cinema humanista, mas cético de Billy Wilder. Não espetaculariza emoções, matiza personagens, combina drama e humor, confia tanto na "mise-en-scène" quanto no texto. Em resumo, a mais cativante vertente realista de Hollywood ressurge pelas mãos de Mendes e Ball. Eis, finalmente, algo a celebrar em Hollywood para além do cálculo de contador que comemora o aumento de 8% nas bilheterias na safra deste Oscar (US$ 7,5 bilhões arrecadados).
Outra demonstração de coragem foi a atribuição à desconhecida Hilary Swank do Oscar de melhor atriz em "Garotos Não Choram". Trata-se de uma produção independente que custou uma fração do cachê de algumas das concorrentes de Swank. Distante dos EUA, é compreensível que se subestime a dupla premiação para "Regras da Vida". No cotidiano dos inflamados debates sobre o direito ao aborto, tornado um dos centros da presente campanha presidencial, é um raro gesto de liberalidade vindo da conservadora Academia. John Irving registrou a mensagem ao receber seu prêmio pelo melhor roteiro, que desenvolveu a partir de seu próprio romance. O segundo Oscar do filme valeu a Michael Caine a mais espontânea aclamação da noite. Foi sua segunda premiação como ator coadjuvante, repetindo a vitória, em 1986, por "Hannah e Suas Irmãs".
A confirmação do tão esperado Oscar para Pedro Almodóvar, por "Tudo sobre Minha Mãe", não deve roubar o impacto desta consagração. O ex-cronista maldito dos embalos pansexuais da Espanha pós-Franco conquista, sem concessões, a fortaleza hollywoodiana. É um feito tão expressivo como o Oscar especial para o mestre polonês Andrzej Wajda ("O Homem de Ferro"), que deu uma lição de democracia ao público americano ao expressar-se em sua língua materna.
Não menos corajosa foi a justa vitória, na disputa de documentários, de "One Day in September" (Um Dia em Setembro), do jovem escocês Kevin Macdonald, sobre o hiperfavorito "Buena Vista Social Club", de Wim Wenders. Macdonald reconstitui em ritmo alucinante o ataque terrorista à delegação israelense durante a Olimpíada de Munique, em 1972. Produzido pelo multioscarizado Arthur Cohn (o mesmo de "Central do Brasil"), seu filme permanece inédito no mundo inteiro, enquanto "Buena Vista" alcança estrondoso sucesso por onde passa. Foi a bela surpresa da noite.
Houve também saudável agressividade e aposta na renovação na escolha dos quatro prêmios técnicos para "Matrix" (montagem, som, edição de efeitos de som e efeitos visuais), todos concedidos a jovens profissionais jamais antes vencedores. De quebra, esboçou-se um "mea culpa" pela omissão, na lista das indicações principais, de um dos mais originais filmes do ano.
Ainda está para chegar o dia em que a Academia levará ficção científica a sério. Os grandes derrotados? "O Informante", repleto de boas intenções, indicado em sete categorias, vitorioso em nenhuma. "O Sexto Sentido", seis indicações, nenhum prêmio, mas a mera lembrança já valeu como reconhecimento.


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