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ANÁLISE
Oscar 2000 dá lição de ousadia
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
Sinais de vida no planeta Hollywood: o Oscar 2000 confirmou-se
como a mais ousada premiação
em décadas, talvez desde o triunfo
do amargo "Perdidos na Noite",
de John Schlesinger (1969). É também outro oblíquo olhar inglêssobre o cotidiano americano o vitorioso da vez, "Beleza Americana", do estreante Sam Mendes.
A sátira sombria da destruição
de uma família de classe média
arrebatou cinco prêmios: melhor
filme, diretor (Mendes), ator (Kevin Spacey), roteiro original (Alan
Ball) e fotografia (Conrad L. Hall).
Dois dos vencedores reconheceram a dívida para com o cinema
cáustico de Billy Wilder.
Mendes, que conquista Hollywood depois de ter se imposto na
cena teatral britânica e depois na
Broadway, o fez de forma direta. É
ele apenas o sexto diretor a levar o
Oscar em sua obra de estréia, sucedendo Delbert Mann
("Marty"), Jerome Robbins
("Amor, Sublime Amor", co-dirigido por Robert Wise), Robert
Redford ("Gente como a Gente"),
James L. Brooks ("Laços de Ternura") e Kevin Costner ("Dança
com Lobos"). Já Kevin Spacey dedicou a estatueta a Jack Lemmon,
o impagável alter ego de Wilder
em vários de seus grandes filmes.
Aplauda-se a homenagem. "Beleza Americana" recupera o essencial do cinema humanista,
mas cético de Billy Wilder. Não
espetaculariza emoções, matiza
personagens, combina drama e
humor, confia tanto na "mise-en-scène" quanto no texto. Em resumo, a mais cativante vertente realista de Hollywood ressurge pelas
mãos de Mendes e Ball. Eis, finalmente, algo a celebrar em Hollywood para além do cálculo de
contador que comemora o aumento de 8% nas bilheterias na
safra deste Oscar (US$ 7,5 bilhões
arrecadados).
Outra demonstração de coragem foi a atribuição à desconhecida Hilary Swank do Oscar de melhor atriz em "Garotos Não Choram". Trata-se de uma produção
independente que custou uma
fração do cachê de algumas das
concorrentes de Swank. Distante
dos EUA, é compreensível que se
subestime a dupla premiação para "Regras da Vida". No cotidiano
dos inflamados debates sobre o
direito ao aborto, tornado um dos
centros da presente campanha
presidencial, é um raro gesto de liberalidade vindo da conservadora Academia. John Irving registrou a mensagem ao receber seu
prêmio pelo melhor roteiro, que
desenvolveu a partir de seu próprio romance. O segundo Oscar
do filme valeu a Michael Caine a
mais espontânea aclamação da
noite. Foi sua segunda premiação
como ator coadjuvante, repetindo a vitória, em 1986, por "Hannah e Suas Irmãs".
A confirmação do tão esperado
Oscar para Pedro Almodóvar, por
"Tudo sobre Minha Mãe", não
deve roubar o impacto desta consagração. O ex-cronista maldito
dos embalos pansexuais da Espanha pós-Franco conquista, sem
concessões, a fortaleza hollywoodiana. É um feito tão expressivo
como o Oscar especial para o
mestre polonês Andrzej Wajda
("O Homem de Ferro"), que deu
uma lição de democracia ao público americano ao expressar-se
em sua língua materna.
Não menos corajosa foi a justa
vitória, na disputa de documentários, de "One Day in September"
(Um Dia em Setembro), do jovem
escocês Kevin Macdonald, sobre
o hiperfavorito "Buena Vista Social Club", de Wim Wenders.
Macdonald reconstitui em ritmo
alucinante o ataque terrorista à
delegação israelense durante a
Olimpíada de Munique, em 1972.
Produzido pelo multioscarizado
Arthur Cohn (o mesmo de "Central do Brasil"), seu filme permanece inédito no mundo inteiro,
enquanto "Buena Vista" alcança
estrondoso sucesso por onde passa. Foi a bela surpresa da noite.
Houve também saudável agressividade e aposta na renovação na
escolha dos quatro prêmios técnicos para "Matrix" (montagem,
som, edição de efeitos de som e
efeitos visuais), todos concedidos
a jovens profissionais jamais antes vencedores. De quebra, esboçou-se um "mea culpa" pela
omissão, na lista das indicações
principais, de um dos mais originais filmes do ano.
Ainda está para chegar o dia em
que a Academia levará ficção
científica a sério. Os grandes derrotados? "O Informante", repleto
de boas intenções, indicado em
sete categorias, vitorioso em nenhuma. "O Sexto Sentido", seis
indicações, nenhum prêmio, mas
a mera lembrança já valeu como
reconhecimento.
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