São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2000


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LIVRO - LANÇAMENTO
Bonassi faz poesia da gente comum

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

"100 Coisas" é o livro que Fernando Bonassi, roteirista, dramaturgo, colunista da Folha e autor de "Um Céu de Estrelas" e "Crimes Conjugais", entre outros, lança hoje, em São Paulo.
Bonassi é boa gente o suficiente para me deixar invadir o espaço dedicado à resenha de seu novo livro para eu chorar umas pitangas. Chorar, não. Descascar.
É triste como a crítica literária brasileira, especialmente a acadêmica, mobiliza-se com os olhos fixos no espelho retrovisor e não observa o ambiente em sua volta. Poucos debatem ou estudam obras de escritores contemporâneos, como as de Bonassi. Poucos se arriscam a definir uma nova narrativa, influenciada pela anônima vida urbana, que divide em escalas sociais os tipos narrados.
O mundo mudou, o Brasil mudou e novos temas, como homossexualidade e violência urbana, são servidos de bandeja a novos autores. Mas a grande maioria de alunos de pós-graduação e de teóricos literários escreve sobre escritores que já tinham se mandado quando Bonassi nasceu.
Bonassi é uma das principais válvulas que movimentam essa nova literatura brasileira. Que literatura? A que desconstrói a gramática culta, imprimindo um vocabulário coloquial. Literatura que herdou a rebeldia da poesia concreta, que assistiu a muita TV na infância, que vive num mundo cada dia mais iconográfico e dá voz à "perifa", aos esquecidos.
"100 Coisas" é uma compilação de cem pequenos contos ou crônicas, que o autor publica na coluna "Da Rua", desta Ilustrada. Cada conto tem poucas linhas, e para contar uma história em tão exíguo espaço, Bonassi se vira como pode, economizando palavras, entregando-se à síntese.
Ele usa mitos notórios (Romeu e Julieta, Maria e José) para contar a história de gente comum: "Romeu era padeiro, porque dava salário mais pão e leite". Alguns contos parecem bilhetes, bulas, receitas ou anúncios. Bonassi reescreve poemas, para expor um Brasil nada bucólico: "Minha terra tem HK, AR15, M12, 45 e 38 (na minha terra, 32 é piada). As sirenes que aqui apitam, apitam de repente e sem hora marcada."
Seus personagens têm intimidade com papelotes, meganhas, picos. Muitos contos são narrados por mulheres apaixonadas, traídas ou traidoras. São muitos universos, em tão pouco espaço. Ou talvez seja o mesmo universo, visto por tantos ângulos.
Bonassi, como poucos, demonstra conhecer intimamente o ofício. Seu estilo flui na direção do resgate do pequeno cotidiano do pequeno homem. São casos banais, que ganham a dimensão de alta literatura.


Avaliação:    


Livro: 100 Coisas
Autor: Fernando Bonassi
Lançamento: Editora Angra Quando: hoje, às 19h Onde: Saraiva Megastore (av. Rebouças, 3.970, tel. 0/xx/11/870-5999) Quanto: R$ 16 (112 págs.)


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