São Paulo, terça, 28 de abril de 1998

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Ópera esquentou búlgaros

CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local

Fazia 3º C quando a versão completa da "Fosca", de Carlos Gomes, foi encenada na íntegra pela primeira vez, em novembro do ano passado.
Frio para Campinas, onde o compositor nasceu, em 1836. Muito frio para Belém do Pará, cidade em que ele morreu, 60 anos depois.
Mas a quarta ópera do autor de "O Guarani" foi saudada com 23 minutos de aplausos fumegantes.
Certamente os protagonistas das palmas não as produziam por causa da temperatura.
A "Fosca" foi "levada", como dizem os seguidores da música erudita, no teatro da Ópera Nacional da Bulgária, em Sófia.
Termômetros marcando 3º C não assustam búlgaros. E foram 800 deles que aplaudiram com calor a montagem.
Uma delas foi a professora de filologia Maria Velikin. Trajando um tailleur escuro, mas de tecido leve, a búlgara explicou que "O Guarani' é excelente, mas soa muito italiano, muito próximo de Verdi. "Fosca' tem elementos originalíssimos".
Foram esses temperos "peculiares" que esquentaram os 3º C da Bulgária e que aquecem hoje o outono de São Paulo, no Teatro Municipal.
Não se pode dizer que essa beleza que a professora búlgara notou seja brasileira.
Como dizia o próprio Carlos Gomes, sobre as suas três óperas mais famosas, "O Guarani' era para os brasileiros, "Salvador Rosa' para os italianos e "Fosca' para "os entendidos'".
A montagem "globalizada" da ópera, com camarins nos quais se fala italiano, português, búlgaro e inglês, talvez tenha contribuído para que ela não ficasse restrita ao círculo dos especialistas.
Mário de Andrade escreveu que "a "Fosca' representa, dentro da obra do campineiro, o talvez único momento em que ele pretendeu avançar acima de si mesmo, e avançar em arte além do ponto em que jazia a italianidade sonora do tempo".
Poucos questionam que a obra de Gomes representou alguns saltos linguísticos no vocabulário da ópera, quando ela estreou e foi recebida com frieza no Scala de Milão, em 1873.
Mas os ouvidos dos espectadores da saga da pirata corsária Fosca não são obrigados a pular por conta disso.
É o que mostra o calor dos aplausos de 800 búlgaros em uma noite de 3º C.



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