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ERIKA PALOMINO
MADONNA SE REINVENTA PARA NOVA TURNÊ
Para todos os que seguiram com
Madonna em seus últimos 20
anos, essa "Re-Invention Tour" é
bem peculiar. No meu caso, mais
ainda: voltei a Los Angeles, onde o
show começou na última segunda-feira, justamente dez anos depois de vir aqui com o objetivo de
entrevistá-la.
Por conta dessas viradas malucas que a vida dá, desta vez me vi
frente a frente com ela de novo e
tive a oportunidade única de assistir não apenas à estréia em si
(superbem localizada, na fila 6;
desculpe!), mas também ao ensaio geral do espetáculo, o último
antes da grande noite. Vi Madonna com sua família, filhos, amigos
próximos, assessores especiais,
técnicos, bailarinos, músicos.
Vi uma Madonna bem diferente, mais calma, mais madura mesmo (ela agora tem 45 anos, mas
continua tão bela e ainda mais
bem cuidada do que há uma década). Agora é mãe de duas crianças
(lindas, por sinal, e Lourdes é a cara dela quando jovem e morena),
tem um marido inglês, converteu-se à cabala, tornou-se extremamente religiosa e encaretou.
Ao batizar sua turnê de "Re-Invention", Madonna está comunicando isso ao mundo. Claro, sempre se soube das habilidades camaleônicas da cantora, mudando
de look e constantemente avançando em suas convicções.
Seu público e o planeta foram
testemunhando seu amadurecimento artístico e pessoal. Ainda
que muitos não gostem de sua
música, é inegável seu papel como
uma das antenas da grande massa, uma das figuras mais importantes do século 20, em termos de
comportamento e referência.
Isso não é pouco. E não deve ser
fácil de segurar. Manter sua relevância por tanto tempo é algo
grande, para grandes talentos.
"Re-Invention" tem cara de retrospectiva, com pitadas dessa
nova consciência da cantora, aparentemente preocupada com o
mundo. Se ela agora rola no chão
do palco, não é mais vestida de
noiva, como em "Like a Virgin",
em 84 no VMA, mas simulando
um exercício de guerra em "American Life". A saia kilt da estação é
bem abaixo do joelho, mais comprida até do que o uniforme do tocador de gaita de fole que a acompanha na dancinha fofa de "Into
the Groove". Madonna reivindica
o direito de se reinventar.
SHOW É DEDICADO AOS FÃS DA CANTORA
O show é para os fãs. Afinal,
quem não pensou que essa pode ser a última turnê da cantora? Os melhores momentos são
os mais hedonistas. "Vogue"
abre o show, com Madonna
surgindo de baixo, com corset
de brocados de Christian Lacroix, tendo ao fundo, no telão,
as imagens do fotógrafo Steven
Klein, do editorial da "W" e de
outros settings feitos especialmente para o show.
É o que dá o carimbo de modernidade ao espetáculo. Madonna
dança "Vogue" com apurados
movimentos de ioga e faz as
pessoas irem ao delírio. Os fãs
também vão gostar de ouvir
"Burning Up", que está no primeiro disco, de 1983. A linda
"Deeper and Deeper" ganha
versão cabaré, cínica e debochada, um dos momentos mais
leves do show.
A seqüência final, com a belíssima balada "Crazy for You", ela
dedica justamente aos fãs, que a
acompanham "nos últimos 20
anos", seguida de "Music", com
direito a telão com megaglobo
de espelhos e o diretor musical
de todo o espetáculo, o produtor e DJ francês Jacques Lu
Cont, do Les Rythmes Digitales,
fazendo seu papel ao centro do
palco.
Vem depois "Holiday", em versão atualizada, com imagens de
bandeiras de toda parte do
mundo, incluindo a do Brasil.
Todos dançam e caminham sobre estruturas de metal que baixam mais uma vez sobre a platéia (como em "American Life"). Uma chuva de papel picado consagra Madonna, mais
uma vez.
No telão fica a frase "Reinvent
Yourself" (na letra criada pelo
diretor de arte brasileiro Giovanni Bianco, responsável pela
parte gráfica do espetáculo, que
agora ganha até dois beijinhos
da cantora). Sem o bis, nós ficamos com um trecho de um discurso de Bush. Devidamente
vaiado.
SEM SEXO, SOBRA RELIGIOSIDADE
Não deixa de ser estranho ver
Madonna tão desprovida de conotações sexuais. Ainda que
seus dois primeiros looks no
show "Re-Invention" sejam
corsets com shortinhos e meia-calça arrastão, tudo é muito
comportado. Alem do kilt, outro visual marcante é a calça risca de giz usada com colete, justamente em um dos melhores
momentos do show, a deliciosa
"Don't Tell me".
"Hanky Panky", a abusada faixa de "Dick Tracy" que fala de
uma garota que gosta de levar
umas palmadas, recupera a famosa coreografia do lencinho,
mas vem com pouco rebolado.
Tampouco Madonna beija seus
bailarinos/as na boca ou faz as
clássicas dancinhas de esfrega-esfrega no palco. O máximo de
sensualidade do show da cantora é nos outros, com um vídeo
homoerótico que acompanha a
bela "Frozen".
Sem sexo, sobrou pieguice, como nas zilhões de imagens de
crianças sofrendo, com a fome e
com a guerra. Algumas delas fazem parte da ação da associação
Spirituality for the Kids, relacionada ao grupo de cabala freqüentado pela cantora.
A questão religiosa sempre foi
crucial para Madonna. Nessa
"Re-Invention Tour", aparece
mais forte do que nunca. Imagens de Cristo na cruz, Nossa
Senhora e Jesus -mais escritos
em hebraico e referências à cabala- transformam alguns
momentos do show em puro
pop religioso.
"KABBALISTS DO IT BETTER"
Uma camiseta cabalista
-"Kabbalists Do It Better"-
substitui a provocativa "Italianos Fazem Melhor", usada há
alguns anos. E a carolice alcança
seu ápice na sequência "Nothing Fails", "Like a Prayer",
"Mother and Father" e, finalmente, uma versão dramática
para "Imagine", de John Lennon, com direito a foto dele.
"Like a Prayer" é um dos mais
fortes momentos do show, numa catarse que lembra as missas gospel.
A parte politizada vem embalada de certa ingenuidade, já que
o vocabulário de Madonna
sempre foi o da diversão. Ela
canta "American Life" com coreografias de guerra e vídeo de
crianças sofrendo. Ao final, sósias de Saddam e Bush se beijam, no telão. "Express Yourself", que sempre foi um libelo
de liberação sexual, ganha batida militarista, ela e os dançarinos rodopiam espingardas ao
ritmo da música. É, os tempos
mudaram. Madonna também.
palomino@uol.com.br
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